terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Fugiram os sonhos

Fugiram os sonhos pela frincha da porta blindada da casa branca, assética, desinfetada. Os sonhos escaparam à higiene, esquivaram-se ao minimalismo, evadiram-se dos antifúngicos. Oprimia-os a ditadura das linhas direitas da arquitetura da existência; os tectos altos; as luzes indiretas para melhor conforto dos olhos míopes. O edifício, de inteligência artificial, racional até aos alicerces, da consistência fria do aço, não era dream friendly. E os sonhos fugiram pela frincha da porta blindada e espalharam-se pelas ruas à procura de um pouco de lixo humano. Acumularam-se em esquinas sombrias. Espreitaram pelas janelas dos tugúrios ocupados por coisas antigas, como o sangue, o suor e as lágrimas. Treparam pelas paredes e enroscaram-se nos pés sujos das pessoas simples.
Não voltarão, os sonhos, a este edifício hermético e eficiente. Expurgado da dor, mas também da esperança. 

8 comentários:

  1. É preciso dor para poder sonhar? Bem capaz...

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    1. Não creio. Porém, para sonhar é preciso coragem para enfrentar a dor.

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  2. SIM
    SIM
    SIM

    [caguei para a coragem, após experimentá-la (à dor) à revelia]

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  3. Talvez voltem. Se os sonhos se precuparem com a sobrevivência da humanidade hão de reconhecer que a única esperança está na razão.

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    1. Creio que num mundo ideal a razão encontrará sonhos compatíveis.

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  4. nã me importava se os meus sonhos fossem mais imundos :)

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