sexta-feira, 30 de julho de 2010

Grandes Filósofos


"I'm not bad. I'm just drawn that way."

Jessica Rabbit, in Who Framed Roger Rabbit (1988)

Shining Star


Dentro de cerca de 15 minutos, e durante o próximo mês e meio, este vai passar a ser o aspecto da v. Estrela.
Entre um mergulho e outro, há-de vir ofuscar-vos com o seu Brilho.
P.S.: O puto do post abaixo fica sob minha custódia.

Flagrante Delito - A este ninguém o põe em preventiva?

Outra vez Eros. O miúdo assassino.
Repare-se na expressão de satisfação sádico-cínica do Deus de terceira categoria.
Depois, atente-se no ar de sofrimento alienado da vítima.
O miúdo goza com a evidente impotência desistente da pobre mulher que já se sente envenenada, mesmo antes do contacto com a seta.
Bernini, não tinha do amor melhor impressão do que eu.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Alinhar as coordenadas


AmoR, não tarda volto para NóS.


Cartomância de feira



Medusa desconfia brutalmente das ciências ocultas. Todas. Idolatrias.

Entrou na tenda muito contrariada. Achou a decoração pirosa. O incenso nauseou-a.
Via-se mal. Sentou-se. Esperou. Até que lhe chegaram os olhos amendoados cor de esmeralda. Madura; gorda; mal arranjada. Medusa vaticinou: menopausa.

A mulher lá fez o que tinha a fazer enquanto Medusa contorceu-se de desconforto. Sem um único movimento. Mais de uma hora nisto.
No fim, Medusa exausta, mulher satisfeita – cheia do gozo, certa de que a tinha esmagado.

Ditou-lhe:

“Comporta-se de forma polida e controlada. Por vezes usa uma linguagem rebuscada, pouco comum num contexto coloquial. É uma pessoa popular entre pares. No entanto, as suas relações são marcadas pela superficialidade. É-lhe difícil o contacto humano em profundidade e, portanto, a identificação com os outros. Parece faltar-lhe capacidade empática. Defende-se. Não apresenta traços marcados de hostilidade ou agressividade mas tem uma grande tendência para o controlo. Facilmente inverte papéis, procurando impor-se e afirmar o seu ponto de vista. Esta atitude de cariz narcísico arrisca a fazê-la perder a objectividade.

Felicidades, Madame X.”

Medusa saiu da tenda com um sorriso rasgado no rosto e os olhos a brilhar de fogo.
Estava intacta.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mito Endógeno


Sonho de uma noite de verão

Na noite em que fez dezasseis anos o Olimpo pariu-o directamente para os pés dela.
Como sempre, o seu aniversário apanhou-a no verão e à beira mar.
Era uma festa num bar ao ar livre. Era uma mesa descomposta pela miscelânea de adolescentes histéricas, universitários embevecidos pelas adolescentes histéricas e criaturas de outras espécies variadas.
Ele, que já não era nem adolescente nem universitário, dispensou-se de fornecer qualquer explicação para a sua existência e estendeu-lhe um copo da única bebida alcoólica que ela conseguia suportar.
Partilhava com todos os burlões aquele especial brilho nos olhos que os denuncia aos quatro anos de idade. Bastou-lhe abrir a boca para espalhar imediatamente pelo ar uma aura de luz feita de minúsculas estrelas. Como aquelas que tinha cravadas num anel de prata que usava no polegar.
Arrastada numa corrente de magnetismo que a atingiu da maneira bárbara que é exclusiva dos sentimentos até então desconhecidos, ela deslocou o espírito da mesa, que se foi lentamente transformando num pequeno adereço de cenário.
Que ela se fascinasse com ele, era inevitável. Foi provavelmente o mais perto que esteve de um homem de verdade.
Que ele perdesse uma noite de festa no bar da moda para entreter uma criança esquelética e olheirenta que se ria com os ombros e estava fascinada por Soren Kierkegaard, já é um mistério mais difícil de resolver.
Talvez gostasse mesmo dos filósofos.
Durante cinco horas o tempo parou. Daquela estranha forma que pára quando anuncia um acontecimento importante na vida das pessoas.
Depois, ela tinha que voltar para casa, onde a esperava uma cama de adolescente num quarto de cortinas cor-de-rosa. Ele tinha que voltar para Lisboa, onde o esperava um avião com destino a Nova Iorque.
Qualquer coisa relacionada com bolsas de valores e acções e ganhar muito dinheiro demasiado depressa.
No instante em que se separaram, num primeiro e único beijo testemunhado por essa lua de Agosto, ele prometeu-lhe que voltaria no ano seguinte.
Depois de ele partir houve o grande estrondo do silêncio. Três tentativas de telefonemas dos Estados Unidos. Recados escritos no papel pautado da mesa do telefone lá de casa. Dois postais com diferença de um mês. Em ambos, a estátua da liberdade de dois ângulos distintos. Ela escreveu-lhe uma carta apaixonada. E recebeu-a umas semanas depois, fechada a fita-cola, com um carimbo ilegível.
Vieram o Outono, o Inverno e a Primavera. Não houve mais tentativas de telefonemas internacionais. Nem recados em papel pautado com um ponto de interrogação anotado a lápis. Nem a terceira vista da mesma estátua da liberdade.
Para quem procurasse, e ela procurava, ouviam-se rumores. Que teria aparecido morto num bairro de negros. Que teria sido apanhado pela polícia num esquema financeiro. Que teria fugido para a Argentina com uma mulher casada. Que, simplesmente, tinha desaparecido no mundo.
No ano seguinte, os dezassete anos dela encontraram-na a curar uma pneumonia no clima mais seco do Algarve. Não sofreu por não ir ao encontro dele, porque doze meses de existencialismo fizeram-na perceber que ele não apareceria.
Intermitentemente ia-se lembrando dele. Daquela maneira que nos lembramos de um lago onde sabemos que passámos uma tarde em crianças, mas que não saberíamos situar no espaço.
Depois do primeiro ano, passado na lentidão da transformação das estações, seguiram-se mais dezanove anos, daqueles que apenas se dividem em Natal e férias de verão.

E foi então que, vinte anos depois, ao entrar numa sala onde nunca há luzes feitas de milhares de estrelinhas, ela encontrou-o à sua espera.

Tiveram a seguinte conversa:
Ela: Ás perguntas que lhe vão ser feitas sobre a sua identidade e processos pendentes em juízo é obrigado a responder e a responder com verdade sob pena de incorrer em responsabilidade criminal. Sobre a matéria respeitante aos factos não está obrigado a falar. Só fala se quiser, sem que o seu silêncio o possa prejudicar. Devo, no entanto, adverti-lo que se tiver praticado os factos aqui constantes da acusação e os quiser confessar, tal será valorado em seu favor.
Ele: Sim, Meritíssima.
Ela: Conhece a acusação? Sabe do que está a ser acusado?
Ele: Conheço a acusação e não quero prestar declarações.

Ela, para o funcionário: Faça entrar a primeira testemunha.
E depois para ele:
O senhor pode-se sentar.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Tédio


Estava eu sentada no sofá de casa a ressacar com falta de trabalho para fazer e a meditar nos factos da vida quando me ocorreu que a coisa mais importante que me aconteceu hoje foi partir a unha do dedo mínimo da mão esquerda.
Foi então que depois de decidir transladar-me para a mesa e escrever este post para partilhar com o mundo a verdadeira dimensão do tédio me apercebi de um cheiro a pizza queimada que imediatamente destronou o episódio da unha da sua primacial posição de coisa mais importante que me aconteceu hoje.
E agora vou-me sentar outra vez no sofá entretida com a maravilha que é esta inusitada corrente de coisas interessantes que nos podem acontecer quando menos se espera e de como afinal o dia hoje ainda se pode tornar numa aventura.
Sem uma única vírgula.


O garoto teria não mais de 12/13 anos.

Do alto da sua esmagadora autenticidade atirou-me com um:

"Ah, quem me dera ser uma pedra da calçada!!"

Fitei-o do alto das minhas sandálias de 11 cm e brindei-o com o sorriso mais luminoso que aqueles tempos me permitiram.
Estávamos no último dos anos 90. Do século passado.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Amigo:


Qui saudadjé di ocê.


O calor que fugiu daí instalou-se aqui. Veio clandestino num navio enorme, ao lado de mulheres gordas com vestidos claros e pele escura que atiram búzios sobre a mesa e nunca prevêem ataques de sinusite. O mesmo navio que também trouxe o teu postal que me caiu hoje no colo juntamente com a gota de água que escorreu do aparelho do ar condicionado. Outra vez avariado.
Deram-me um escadote metálico, um buraco no tecto e um técnico incompetente. Falava a música que ouves por aí. A que cantava a empregada que me serviu um sumo de goiaba, daqueles que se compram em cubinhos congelados e que viajam no tal navio do calor, das mulheres gordas e do postal.
A única novidade que tenho para te dar é que há uma petição a correr pelos cafés do país para incluir a palavra “mudasti” no dicionário. Podes usá-la nos teus poemas. Desde que não falem de ti.
P.S. Diz ao teu síndico que quando te for visitar lhe levo morcelas de arroz.
P.S. 1 Com a tua tendência para o bizarro, gostarás de saber que conheci um homem que consegue acender o fogão da cozinha com isqueiro sem gás.

To fall in Lust

(...) 7. Quanto teve ela de glória e de luxúria, tanto lhe dai de tormento e de pranto. Pois diz no seu coração: Estou sentada como rainha, e não sou viúva e não verei o pranto.
8. Por isso num só dia virão as suas pragas: a morte e o pranto e a fome, e ela será queimada no fogo; porque forte é o Senhor Deus que a julgou.
9. Os reis da terra que fornicaram com ela e participaram da sua luxúria, chorarão e se lamentarão sobre ela, ao verem o fumo do seu incêndio,(...)
In Apocalipse 18

sábado, 24 de julho de 2010

so... they wanted something simple...



... and how am I supposed to be a cute little cottage
IF I AM FUCKIN' VERSAILLES!?

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Salve Regina


Nininha Regina nasceu na casa grande. Era nininha pois sinhaninha coube à irmã mais velha. Foi a quinta, de oito. A sua infância cheirou a soalho de madeira, a toró de Verão. Soube a fruta e a manteiga feita em casa. O seu corpo cortou-se no mato e refrescou-se numa cachoeira que ficava muito para lá do terreiro de secar café. Tudo isto sem sair da fazenda. Teve vestidos de Domingo. Vestidos de ir à cidade de automóvel. Cabelo entrançado. Coroas de samambaia. Bicho de pé. Febres. Pretos de corpo livre e alma escrava. Instrução completa. Leu tudo o que havia para ler. Mas havia pouco. Acabou por decorar grande parte da bíblia.

Não escolheu o marido. Ferraram-na com um sobrenome francês aos 19 anos. E foi para a capital, sofrer. Não teve medo. Aproveitou todo o tempo disponível para ler tudo o que pôde. Para ver tudo o que conseguiu. Para estudar mais duas outras línguas. Só não tinha as noites para si. Eram o seu Inferno. Recebia obediente o “francês” que, afinal, era argentino de sobrenome terminado em “n”. O bom que ele tinha eram os dias. Porque esses, deixava-os todos para ela.

Num Outono de garoa fina acabou uma tarde de passeio com a irmã mais velha no Teatro Municipal. Ouviu um violino que a encheu de vontade.

Vontade férrea. Divorciou-se do “francês”. O pai, desgostoso mas cheio de amor, manteve-a na capital porque sabia que os seus pulmões já se haviam habituado aos ares do planalto.

Nasceram os seus dois filhos. Ele calou-se cedo demais. Ela ainda viveu muito, muito, muito tempo. Quase teve tempo de ver o seu mais novo morrer.

O violino está em minha casa. Ela queria assim. Nunca conheci os dedos que o tocaram. Da última vez que a vi, encharcada, disse-me que pensava em mim todos, mas todos os dias da sua vida. Arrivals and Departures.
O seu último frasco de perfume – no fundo de uma gaveta da minha cabeceira. Raramente o abro porque o que está lá dentro tenho-o ao pé de uma tralha que trago pendurada ao peito.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Arqui-Inimigos


Ao contrário do que dizem os ignorantes, Eros não é o inocente filho de Hermes e Afrodite. É um deus nascido do Caos, detentor de uma personalidade insatisfeita e inquieta.
O meu dicionário de mitologia grega limitou-se a confirmar as minhas piores suspeitas.
É um inimigo a abater. Do tipo de gente que não se quer por perto.

espelho, espelho meu

De manhã, sou vagarosa. O banho, o vestir, o arranjar-me. Na maior parte dos dias, aprecio o resultado final.
















O critério de aferição da minha satisfação é:
daria um cadáver bonito, hoje?

Moyenne Corniche

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Diário de uma toxicodependente


Cuca lembra-se que se acabaram os lexotan. Cuca não pode viver sem lexotan porque leu na bula que se não os tomar terá sintomas de abstinência. E depois de ter lido isso, passou a sofrer de todos os sintomas só por pensar que ficará sem lexotan.
Cuca dirige-se à farmácia, antecipando uma ressaca de falta de droga. Já tem dores de cabeça. Tremem-lhe as mãos. Sente-se nervosa. Tem dúvidas se estará a ter uma visão. E ainda não falhou um comprimido.
Já na farmácia, Cuca lembra-se que mudou de casa. Ninguém a conhece naquela farmácia. E se a conhecessem não poderia ir lá. Não pode ser vista a comprar coisas dessas. Não tem receita médica. Nunca tem, mas na farmácia onde ia vendiam-lhe tudo e mais alguma coisa. Ate morfina, se se lembrasse de pedir. Cuca fica confusa. Tenta disfarçar. Pensa que se comprar muitas coisa estúpidas a falta de receita médica passará despercebida. O farmacêutico será mais simpático. Perceberá que não é uma toxicodependente. Que não quer os comprimidos para se injectar. Que não vai morrer de overdose e amanhã a polícia judiciária não vai aparecer a perguntar pela receita médica.
Cuca faz o seu melhor sorriso dengoso. Penteia-se. Ajeita o colar de pérolas. Pede pastilhas para a garganta. Dois cremes que não vai usar. Uma pasta de dentes com ar cool. E depois, muito baixinho, olhando em redor para todos os lados. Certificando-se de que ninguém ouve.
- E era também uma caixa de Lexotan de 1, 5 mg, se faz favor.
E depois de ver o ar de poucos amigos do farmacêutico, tentando condicionar o inconsciente do homem:
- dos mais fraquinhos.
Farmacêutico implacável:
- Receita médica!
Cuca faz ar de anjo, diz que o médico está de férias, explica que tem que tomar sob pena de morrer de ataque cardíaco, jura que traz a receita noutro dia. Amanhã, pronto.
Farmacêutico assassino:
- Nem pensar! Sem receita médica não lhe vendo isso.
Cuca paga as inutilidades que só adquiriu para tentar subornar o farmacêutico. Sai da farmácia furiosa, frustrada e pobre. Acentuam-se os sintomas da futura ressaca. Já está a sofrer de distúrbio de personalidade. Coça-se. Entra no carro e conduz como uma louca. Lembra-se que há outra farmácia a menos de um quilómetro. Dirige-se para lá em quase marcha de urgência. Atravessa o carro em frente à porta da nova farmácia tapando a saída aos outros utentes. Passa à frente na fila. Repara que tem as mãos nas ancas e um deplorável ar de quem está disposta a partir o estaminé. Derruba um cartaz com uma senhora nua que anuncia um fraudulento produto anti-celulite (cuca é testemunha da fraude).
E, gritando na direcção do balcão, desgrenhada, com ar de doida perigosa.
- Quero uma caixa de lexotan!!
Limpa um fio de baba que lhe escorreu pelo queixo.
- E não tenho receita médica nenhuma!!
Farmacêutico, depois de uma olhada de alto a baixo:
- Está bem. De 1, 5 mg, de 3 mg ou de 6 mg?

Hotel Urban Madrid

As limitações físicas humanas deixam-me muito mal disposta.
Por exemplo, neste momento, estou irritada por não me poder teletransportar para Madrid e ir para o terraço do Urban beber mojitos com sushi.
É uma injustiça e um aborrecimento!









Esta semana ando assim


terça-feira, 20 de julho de 2010

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Para as minhas amigas Cuca e Medusa

Porque desde há uns 18 anos (!?) é assim...


Foto: Fátima Condeço

Corpo Delito

No Sábado de manhã, torturaram brutalmente a Medusa.





Nem lhe tocaram. Nunca foi tão invadida. Mas não chegaram lá.

domingo, 18 de julho de 2010

O homem, a criança e o cão


Estava calor e ambos tínhamos a agenda do dia em branco. Sorteámos piscinas. Saiu-nos a dele.
Na única vez em que eu tinha estado naquela casa, havia um cão. Estes homens têm sempre uma história com um cão vadio que um dia os adopta em plena rua. Por sorte, é sempre um cão de raça que já vem educado e se adapta aos movimentos do dono como se tivesse nascido dele. Escondi a impressão que me causou a inesperada combinação do bom gosto com a humanidade da sala. O cão fez bem o seu trabalho. Foi buscar a trela e pousou-ma nos joelhos. Para me tentar convencer que também eu fazia parte do cenário.
Naquela noite de conveniente calor de Abril – estes homens até parece que mandam aquecer as noites à medida das suas conveniências – não lhe passou despercebida a hesitação que me arrancou a simplicidade de um passeio por entre casas e campos de golfe, com um cão pela trela. O fascínio de uma vida normal a acenar-me ao fundo da rua.
Desta segunda vez, ele não fez por menos. Há homens que não jogam para perder. Atrás do cão, que logo que me abriram a porta do carro saltou para o meu colo, vinha uma criança. Daquelas iguais às dos filmes. Que nos dão imediatamente a mão e nos perguntam se nos importamos de as ensinar a nadar.
E nós não nos importamos mesmo nada. Mas depois há um momento em que desconfiamos da autoconfiança da miúda e lhe viramos as costas na piscina para descobrir que sabe nadar melhor do que nós.
O papá, pensou que eu ficaria feliz se ela fingisse que me deixava ensiná-la a nadar. E o papá, claro, tinha razão. Eu fiquei feliz.
Como também fiquei feliz quando o papá nos chamou para o almoço na varanda. Onde a música era tão perfeita como o gin tónico. E como a miúda, a pedir-me uma trança com a escova da Barbie na mão. Como o cão, deitado aos meus pés, demasiado bem-educado para pedir pedaços de pizza. Apesar de ainda há quatro meses ser um cão vadio.
E nem sequer faltou a siesta com a criança devidamente agarrada ao meu pescoço e o papá a controlar o sol.
Como se eu sempre tivesse lá estado. Como se, neste momento, devesse lá estar. Até parece que, em parte, ainda lá estou.
E quando no final do dia se meteram todos no descapotável e me guiaram entre casas e campos de golfe até à entrada da auto-estrada, pai, criança e cão ficaram a acenar-me ao longe até eu desaparecer no alcatrão.
E ouvia-se Puccini no meu carro. E eu fiquei a pensar que tudo o que eu procurei na minha vida poderia resumir-se àquela exacta sensação. Se eu pudesse, ao menos, substituir o pai por um que fosse verdadeiro…

Síntese de uma manhã de Sábado perfeita

Medusa e Cuca foram às compras.
E houve Jimmy Choo. E passagem pela LV. E crepes de camarão com chá gelado do LA Caffè.
E aquele abraço.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Súmula dos últimos dois anos, dois meses e dois dias


Perguntei mentiras. Respondi verdades. Fiz malas. Desfiz malas. Procurei. Fui encontrada. Parti. Voltei. Perdi-me. Sonhei e acordei. Mudei de casa. Tive sono e combati-o. Quis dormir e fiquei insone. Errei. Muitas vezes. Acertei. Duas ou três vezes. Levantei-me de quedas. Atirei-me ao chão. Espalhei comida no prato. Voltei a mudar de casa. Desapareci. Ri-me sem vontade. E depois devo ter tido vontade de rir. Perguntei verdades e responderam-me mentiras. Tive certezas. Devo ter errado ainda mais vezes.
Não me esqueci. Penhorei a alma ao tempo. Penhorei o tempo à alma. Dei tempo à penhora da alma. Nunca me esqueci.


Corpo a Corpo


Depois da carga de artilharia pesada e das sequências de tiro de fuzil, amanhã vai ser assim. Na ponta da baioneta.


quinta-feira, 15 de julho de 2010

05h16 ::: ocaso da lua

e eu tinha todos, todos os meus trinta e seis anos ao espelho.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Entrevista complementar


Este também foi. Passou com distinção.

Protecção solar

Ele: Às vezes tenho a sensação que nunca te vou conhecer de verdade…
Ela: Passas-me o protector solar?
Ele: É como se houvesse um muro…
Ela: É o da Shiseido, importas-te de mo passar?
Ele: Mesmo essa aparente sinceridade, tem sempre qualquer coisa de…percebes?
Ela: Factor 20. Frasco azul.

"Pensei o quanto desconfortável é ser trancado do lado de fora; e pensei o quanto é pior, talvez, ser trancado no lado de dentro." In Virginia Woolf

terça-feira, 13 de julho de 2010

Notícia da semana: O niqab

Ignoradas pela sociedade ocidental, desprezadas pelo seu próprio mundo, violadas pelos seus maridos, inferiorizadas pelo seu Deus...
Só lhes faltava agora, serem multadas por França.
Liberté, Egalité, Fraternité!

Resposta fechada à carta aberta da Cuca

Por mais que não queiras,
as contas só se fazem e se pagam aqui:


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Carta aberta aos homens


Porque raio nunca vos basta uma??

Pijama Party



No Grand Foyer da Opéra Garnier estavam, ao espelho, Cuca, Estrelita e Medusa.

Era noite e havia apenas uma pequena tocha ao fundo. Ou seja, via-se pouco.


Roíam maçãs reinetas.


À Cuca, o espelho devolveu um "esquizo". Levantou ligeiramente o sobrolho direito.

À Estrelita coube "doida". O primeiro som que se ouviu foi a sua típica gargalhada gutural.

À Medusa estalou "crápula". Piscou o olho.

domingo, 11 de julho de 2010

Ódios de estimação


Dependências


Afundada em trabalho, com défice de horas de sono, prisioneira contrariada das minhas obrigações profissionais, o que mais me irrita não são os gritinhos dos outros na piscina onde eu não tenho tempo para ir nadar. Nem o mar a insultar-me a vista quando eu estou impedida de ir à praia. Nem o clube de video da esquina a acenar-me com filmes que eu não posso ver. Muito menos os livros a cheirarem a livros e pedirem-me que os leia.
O que me põe mesmo doida é que há sapatos e vestidos à venda e eu não tenho tempo para entrar num safari de compras.

A verdadeira definição da esquerda caviar

Enrolavam écharpes a la Yasser Arafat à volta do pescoço, usavam uma invariável barba mal semeada, os jeans eram Levi´s 501 (com a desculpa que não simbolizavam capitalismo porque historicamente eram o traje dos trabalhadores fabris), e as t-shirts, pretas, de algodão manhoso. Rematavam com um livro debaixo do braço onde quer que estivessem.
Só bebiam cerveja sagres ou vodka pura e, por insondáveis razões, nunca tinham carta, quanto mais carro.
Eram os rapazes de esquerda. Tão facilmente identificáveis como se andassem com um exemplar do Avante, em forma de néon, sobre as suas cabeças.
Os rapazes de esquerda são um sintoma enervante do aumento da complexidade social.
Descobriram as gillettes, continuam a usar t-shirts pretas mas compram-nas na Calvin Klein, são fanáticos por gadgets e lêm os livros no I-Pad. Renderam-se ao automobilismo, embora continuem a preferir supostos veículos ecológicos.
Quando as écharpes foram adoptadas pelos outros enfiaram as deles na gaveta.
Ainda têm a nostalgia da vodka mas aprenderam a apreciar vinhos tintos.
Assim, disfarçados, até o espírito mais atento corre o risco de não suspeitar de rigorosamente nada. Até ao momento, claro, em que ele pergunta se queremos ir ao cinema King ver um filme.
Devia ser proibido!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Deus devia conceder a todos os homens a graça de terem filhas.


Chegaste a casa.
Pela última vez.
Esta podia ter sido a imagem da nossa última conversa quinze dias antes de eu te abandonar; mas as condições não eram exactamente as mesmas.
Ainda assim, lembras-te que me sentei no chão para te ouvir? Foi para poder, apesar das circunstâncias, olhar para cima para te ver. Cumpri o que me pediste, o melhor que pude. Ires para casa foi um bónus. Espero que aprecies.


Diz-me porque é que ainda não consigo deixar de sofrer aquele teu sofrimento.

Hoje acordaram-me assim.


Ama como a estrada começa.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Asas


Exausta, cheia de trabalho e a conformar-se com a possibilidade de não ter tempo para dormir esta noite, Cuca teletransporta-se para dentro deste quadro enquanto bebe um red bull.
Dentro do quadro ocorre-lhe que poderia ter sido tratadora de golfinhos. Ou isso.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Se mulheres que lêem são um perigo, mulheres que escrevem...


Crítica das coisas puras

Não tenho a certeza que ela esteja no coração pois, por vezes, sinto-a na garganta. Como dificilmente alguém inventa seja o que for, creio que é comum ao comum dos mortais. Na redoma guardo-me a mim mesma enquanto criança. Cruel e inocente. Guardo as dores de crescimento que me agoniavam de noite quando as canelas pareciam que me iam rasgar a pele. Um especial de Natal da Turma da Mónica. O papagaio de papel que o meu pai fez para mim. Um balão de São João consumido pelo fogo. Parágrafos inteiros do primeiro romance que li: uma pungente história de amor passada na Escócia de há um par de séculos atrás. Um príncipe muito alto e bonito, montado num unicórnio albino. Escaldões do início do Verão e o meu corpo gelado do mar na toalha de praia da minha mãe. Departures and Arrivals. Um tigre de peluche maior que eu. O perfume da minha avó paterna.


A posse dessa pequena Atlântida permite que me encantem certas coisas simples.

To have and have not


terça-feira, 6 de julho de 2010

Quando a moda é uma farsa


Diz que são sapatos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Just surf it!


Se olhares para trás e reparares que uma onda gigante se aproxima.

domingo, 4 de julho de 2010

Semelhança

fotografia DDiarte


semelhança
s. f.
1. Parecença.
2. Conformidade; analogia.
3. Imitação; confronto.

In
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Às vezes adormeço ao lado de um homem parecido contigo.
Despe umas roupas idênticas às tuas que dobra da mesma meticulosa forma. Usa umas mãos que são a perfeita réplica daquelas que te conheci. Copiou-te a voz, os tiques, o riso. Cultivou a essência do teu cheiro e coloca-a, apenas para me enganar.
Quase que és tu. Se não se observar muito de perto. Se não se espreitar para dentro do olhar. Se não se esbarrar na expressão vazia que devolve.
E nos últimos segundos antes de adormecer, com um falso braço caído sobre um colo verdadeiro, lembro-me que
Se conseguisse amar um holograma. ..
Se gostasse de candonga…
Se não tivesse assassinado o verdadeiro…
…Podia acordar feliz, ao lado da tua imitação.

sábado, 3 de julho de 2010

Maria Alice

Maria Alice tem cerca de um metro e meio, um corpo que faz lembrar um tronco de árvore, dentes de bulldog inglês e um cabelo indescritível que usa envolto numa fita que vai desde a testa até metade da cabeça. Para completar o já de si desfavorável cenário, é a feliz proprietária de uns olhos bovinos, ligeiramente estrábicos, a condizer com um permanente sorriso imbecil.
No preciso momento em que vos escrevo, Maria Alice está para ali.
Por razões que eu agora nem me quero lembrar, para não ser obrigada a esbofetear-me e estragar a maquilhagem, ela trabalha para mim. E despedi-la, pelas mesmas razões, está absolutamente fora de questão.
O problema de Maria Alice é que ela é uma daquelas pessoas que nunca se sabe bem o que estão a fazer. Só se consegue perceber que andam para ali.
E no caso dela, quando deixa de andar para ali parece que nem sequer cá esteve. O que, convenhamos, numa empregada doméstica, não é um fenómeno positivo.
Por exemplo: neste momento, Maria Alice passeia o ferro de engomar de um lado para o outro, enquanto tenta desbobinar as estórias da prima, ao mesmo tempo me procura convencer que o motivo pelo qual o forno não ficou bem limpo (não fui ver, mas já se advinha) está directamente relacionado com qualquer coisa que eu fiz de errado.
Quando Maria Alice desistir do ferro de engomar, as minhas roupas vão continuar no estado em que estavam antes e Maria Alice vai-me tentar convencer que a culpa é minha porque usei uma temperatura inadequada na máquina de lavar.
E quando, por fim, Maria Alice começar a ver-se ao espelho nos meus vidros, enquanto faz de conta que os lava, a culpa pelo facto de continuarem sujos quando ela terminar, também será minha que não comprei o produto certo.
Um qualquer de que ela não sabe dizer o nome. Porque, estranhamente, Maria Alice, ao contrário de todas as outras empregadas domésticas que tive na vida, não deve assistir a telenovelas nem à publicidade a produtos de limpeza que as acompanham. Por esse motivo, Maria Alice não consegue soletrar fairy ou skip, substituindo as designações das marcas por “detergente verde para a loiça” e “coiso azul para a roupa”. E se eu tiver paciência para me fazer de desentendida e insistir um pouco, virá um “fério” ou um “esquipo”. No mundo de Maria Alice, palavra que é palavra, acaba sempre em o.
Ao mesmo tempo que me ocupo da missão desistente e cobarde de responder por concordantes monossílabos beatíficos, cerrando os dentes para não os ranger, ocorre-me um pensamento profundo:
Maria Alice não pode ser uma mera empregada doméstica a quem eu pago oito euros à hora para ser irritada. É uma agente infiltrada pelo sistema para, num contínuo processo de fiscalização ao meu estado mental, despistar todos os níveis de psicopatologia.