quarta-feira, 25 de abril de 2012

A magia da música


Alguns gin tónicos depois, ficámos para ali os três sentados com a miúda mulata ao fundo da sala a cantar o Summertime e nós a gozarmos com a miséria da nossa própria existência. Podia ser o Speakeasy de Lisboa. Podíamos ser velhos amigos a contar a versão própria de uma história conhecida. Um de nós quase chorou e os outros dois quase o abraçaram.


Depois o saxofone calou-se. As luzes acenderam-se e não era Lisboa.

Voltámos a ser três desconhecidos eticamente proibidos de trocar impressões entre si.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dos instantes congelados



O silêncio de muitos meses foi quebrado sem palavras.
Na caixa de mensagens, uma fotografia.
A fotografia de um hotel.
E mais nada.
Uma interrogação, uma confissão, uma acusação?
A confissão de uma memória que é em simultâneo a acusação por uma nostalgia.
Observo as portas de vidro do hotel. Iguais ao que foram. O mesmo porteiro no mesmo chapéu bizarro. Talvez mais velho. Com certeza mais velho. Adivinho as mesmas flores nas jarras de vidro transparentes.
E depois, a sombra do fotógrafo num passeio cheio de sol. Rodeada pelos pés da gente sem pressa. Podíamos ser nós, aqueles de mãos dadas. Fomos nós, noutros tempos.
Num instante que não ficou congelado. Que se perdeu para sempre.
A fotografia não é a memória de um passado. É a acusação da falta de um presente.

As coisas são, mesmo, como são.

Durante largos anos na vida julguei que a inteligência, a perspicácia e a bondade assegurariam o sucesso e uma vida plena e feliz.
Com o triplo do esforço, da dor, do desatino, e do trabalho, o lucro é de um terço do gozo, da satisfação, e  dos louros.

domingo, 22 de abril de 2012

Reserva mental 2

Mas uma reflexão mais aturada acaba por fazer-nos perceber que o telhado é objetivamente escorregadio e, a reserva mental, um primário efeito dessa consciência inconsciente.


Sacode-se a areia das mãos, constata-se com alívio que não há vestígios de arranhões, endireitamo-nos depressa e espera-se que ninguém tenha visto.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Onde é que eu ia?




Larguei o subtil demónio de Fausto para entrar nas profundezas dos infernos de Dante.
O último exige incomparável maior atenção.
Sei que pelo meio houve uma Páscoa. A Estrelita disse-me.
Há quatro meses que não saio do meio do Atlântico.
De qualquer forma é indiferente. Engoli todo o mar.
Não tenho nenhuma desculpa. Não estive doente. Não me apaixonei. Não deprimi. Não fui de férias. E não fiquei demasiado ocupada.
Voltei.