— não se enlouquece tudo de uma vez.
Disse eu ao coelho do relógio pendurado ao pescoço que caminhava para diante e para trás, nervosamente, enquanto proclamava que estávamos todos atrasados. A lagarta, sentada na estante dos livros de poesia, assentiu depois de uma baforada de fumo que inundou o convés e, assim incentivada, repeti como se tivesse acabado de descobrir o segredo da vida eterna:
— não se enlouquece tudo de uma vez.
O gato que ri materializou a ponta da cauda e os dentes e projetou uma gargalhada num estilo maléfico e totalmente descontextualizado.
Olhei à volta para tentar perceber o efeito das minhas palavras na expressão do chapeleiro louco, mas em frente ao seu sumo de goiaba havia apenas uma cadeira vazia. Ouvi a minha voz, em eco, gritar "cortem-lhe a cabeça" e, então, disse-me a lagarta: — "não devias ter mandado cortar-lhe a cabeça". Pensei em iniciar um dissertação sobre Salomé, mas o coelho insistiu que estávamos todos atrasados.
— para quê?
Perguntei por perguntar enquanto inspecionava o verniz das unhas, optando por esconder as mãos nos bolsos do vestido.
O coelho voltou a consultar o relógio e decretou que estávamos irremediavelmente atrasados para a vida.
— não nos faz falta.
Disse ao bigode esquerdo do gato que ri quando voltei a ouvir o eco da minha voz: "corteeeeem-lhe a cabeeeeça".
De madrugada acordei com uma insuportável dor na minha própria cabeça e, pela manhã, a primeira coisa que fiz foi proibir Adhrimhinnir de voltar a servir risoto de cogumelos selvagens.
Mas estava escrito que o dia não terminaria sem receber um postal do capitão Sparrow. Continha um smiley a boiar no verso branco de uma fotografia do porto de Tortuga.
Foi assim que soube que me esqueceu.
Cuca, sabes do que me lembrei ao ler-te, agorinha? que havias de fazer um blogue de histórias para crianças e punhas lá esta (mas sem o Sparrow que esse é para gente grande, claro).
ResponderEliminarTodos os dias uma história para as mães e os pais lerem antes de eles irem dormir.
Eu encarrego-me de divulgar na minha vasta família.
(que no livro não volto, para já, a insistir, pronto)
Não é garantido que não assustasse as criancinhas...
Eliminar:))
acho que a Susana acabou de dar uma grande ideia :)
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