domingo, 18 de dezembro de 2016

Diário de Bordo

Aleph, o navio pirata, navega agora pelos mares, iluminado do convés ao mastro, assumindo ele próprio a forma de uma enorme árvore de Natal que dança ao ritmo das ondas. 
Houve anos em que tentei proibir o Natal e outros em que fingi não o ver até ser por ele derrubada à saída de um canto mais escuro. Este ano, consciente de que ninguém escapa ao Natal, mudei de estratégia e em vez de esconder os enfeites e redigir regulamentos anti kitsch, decidi antecipar-me a esta valorosa tripulação e ser a primeira a aparecer com as famigeradas luzinhas das lojas dos chineses; neons em forma de estrela; pseudo renas que mais parecem cães com chifres e a habitual panóplia de bolas coloridas. Centrifugada pelo espírito, cometi até a excentricidade de comprar online vários conjuntos de anjos de asinhas de penas e halos dourados, com rosadas caras obesas e caracóis louros. Estão neste momento pendurados por todo o lado e, vistos da gávea, parecem pequenos espanta-gaivotas. 
Esta tarde, a habitual rotina do roubo, da extorsão e do sequestro, cedeu o lugar à instalação do Natal. 
Há qualquer coisa de comovente nesse anacronismo que é ver-se um bando de malfeitores, maioritariamente ateu, ou, pelo menos, suspeitoso da bondade do divino, tão empenhado em replicar cada um dos clichés do Natal. 
Andhriminir fez-nos um chocolate quente com rum; Gualtiero, o Italiano, cozinhou bolachas de gengibre; Álvaro de Campos, que há tanto tempo não aparecia nesta estória, preparou vinho quente; os poetas inventaram novas quadras de Natal; os ex presidiários, como sempre, fizeram o trabalho todo; os bloggers tiraram muitas fotografias, organizaram discussões sobre o melhor local para colocar a estrela e disseram muitas vezes que sabiam montar o Natal melhor do que todos os outros. 
No final do dia, quando a tripulação ainda zanzava pelo novíssimo barco-Natal, kitshezeando em grande animação, sentei-me sozinha no convés, vi a lua, dourada, enorme, baixa, a rasar as ondas do mar, e pensei que, apesar de tudo, tive muita sorte.
No rescaldo do esquecimento, ainda se salvou, mais ou menos imaculado, o Natal. 

4 comentários:

  1. foi um deleite, eu e metade da população nórdica - que agora nasce em viveiros em Lisboa - aplaudíamos em urros, no cais das colunas, a pirataria selvagem que o teu Aleph, disfarçado de cacilheiro chinês, praticava em todos os veleiros turísticos que aborboletavam as águas do tejo. ah! o verdadeiro espírito natalício... imaculado.

    (ainda me fizeste perder 50€, apostei com um dinamarquês barbudo que eras Pirata para atacar o Queen Qualquer coisa, mas deves ter uma tripulação muito enjoadinha com o cheiro a naftalina... enfim...)

    Votos de Saques Felizes!

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    1. Bem me pareceu ver-te, empoleirada na escotilha do teu submarino, fascinada com a nossa vila Natal ambulante. Dizem, mas Alá sabe mais, que até subiste a bordo e devoraste uns jarros de vinho quente com canela...

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    2. infâmias de piratas vis e alcoolizados a sangria de pacote! não fui eu que subi a bordo, mas antes a Palmier - agora deprimida, por culpa da Lady Kina - que remou na barquito até ao submarino e partilhou da iguaria de Adhriminir...

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    3. Confirmo tudo exceto a má qualidade do vinho.

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