domingo, 29 de abril de 2018

A crónica da verdade






Pelo Manel Mau-Tempo, o Pirata cigano.

Contra-informação

Aqui.

sábado, 28 de abril de 2018

Diário de Bordo

Deixar o navio Aleph nas mãos da Palmier Encoberto e ir de férias para Tortuga brincar aos namorados com um capitão da Disney não foi uma das ideias mais brilhantes que já tive na vida. 
Encontrei uma tripulação intrépida mas desmoralizada e o navio transformado num estaleiro que é a réplica infernal da grande obra, em que abundam chãos que não cabem no convés e foram construídas bonitas escadarias de mármore para lugar nenhum. A culpada estava escondida no porão, coberta por projetos de arquitetura e revistas de decoração. Andhrimniir, o cozinheiro Viking, recebeu-me num pranto e quando conseguiu deixar de soluçar, revelou-me que a capitã interina o obrigou a cozinhar coisas como soja e servir bagas de goji. Disse-me, até, que há mais de dez dias que não o deixam matar um ser vivo. Fui dar com os ex presidiários amotinados num bote fora do navio, onde fazem greve de fome há várias semanas, em protesto contra os desmandos da capitã interina. Os poetas, encontrei-os mais deprimidos e escanzelados do que o habitual, torturados pela incapacidade de produzir metáforas debaixo do constante ruído das obras. Giulliano, o Pirata Italiano, apaixonou-se por Palmier Encoberto e vive agora no cesto da Gávea, onde berra odes ridículas ao amor. Os bloggers nao os vi. Aos sábados nunca ninguém os vê. Álvaro de Campos sonhava o mesmo coma alcoólico em que o deixei.
Desde o dia em que parti, fui entretanto informada, o único assalto que estas almas fizeram foi aos cofres do meu navio que, esvaziados pela administração ruinosa, não têm o suficiente para nos sustentar  por uma semana. 
Sento-me agora à mesa do que sobrou da sala de crise, onde alguém mandou instalar um jacuzzi que não funciona, e faço aquilo que sempre faço diante de uma dificuldade extrema: reflito sobre aquela estupidez do mandamento do não matarás e tento dormir uma boa soneca. 

sexta-feira, 27 de abril de 2018

9 crimes e meio

Pois se tantas foram as vezes que traí a jura,
se cuspi no sangue que escorreu do pacto,
se lhe escondi no coração a espada,
se ceguei todos os olhos da hidra,
se dancei no sepulcro da vítima,
se lavei o veneno no riacho da aldeia,
se ateei o fogo aos celeiros da fome,
se roubei as vísceras à própria bruxa,
se azedei o leite no peito das mães dos deuses,
Porque não haveria de matá-lo, uma outra vez mais?









terça-feira, 24 de abril de 2018

Amplificador do silêncio

Quando os mares se fecharam
e as ilhas se inundaram
e tudo ficou submerso,
sobreveio o silêncio.

O silêncio amplificado
na tua boca fechada
e o meu corpo
de falsas escamas
a bater de encontro ao vidro
do aquário.
– Esse túmulo que te enfeita
as paredes da sala.


segunda-feira, 23 de abril de 2018

Doomed from the start


A esperança é a trela da submissão

E tu, Pandora, que tão bom serviço prestaste à humanidade ao abrir esse baú de onde se soltaram todos os bens e todos os males, não saberias tu, desgraçada Pandora, dar um pontapé na caixa para que também a esperança se perdesse entre os homens e deixasse de ser património divino? Penhor, chantagem, açaime e trela administrado por deuses? De que nos serve, Pandora, sermos senhores do bem e do mal, possuidores do amor e do ódio, se é dos deuses a esperança e se a usam para nos acorrentar?

(O título pertence a Raoul Vaneigem)

sexta-feira, 20 de abril de 2018

voar

Quando me perguntou se era feliz, por vergonha, embaraço ou piedade, menti muito e sem culpa.
Trago as asas enfaixadas sob a camisa de seda de alta costura e doem-me nas articulações da cobardia. Às vezes, uma ou outra pena escorrega-me pela manga e assoma à linha dos pulsos. Já fui obrigada a engoli-las, entre duas colheradas de sopa fria, para não incomodar os comensais dos restaurantes de luxo onde ele me senta à força. Os porteiros fingem não ver a corcunda de asas dobradas e à saída, grata, pago-lhes em lágrimas de prata a discrição profissional. 
Quando os dias têm mais horas e a noite me parece mais escura, solto as fitas das costelas e passeio-me na sala, nua, de asas abertas. Ele desvia o olhar e comenta a deformidade da sombra na parede como se de uma ilusão de ótica se tratasse. Finjo que sim. Os espelhos, voltei-os ao contrário para que não me traíssem. 
Mas hoje, por descuido, alguém deixou aberta a porta da varanda. 
As minhas mãos já alisam o frio da noite e os pés procuram o ponto de equilíbrio do salto. As asas, soltas, soltas, soltas, fizeram-se para voar. 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Piratas mortos não contam estórias


Pesos

Ao esquecimento que Borges dizia ser a meta, também eu cheguei antes.
Não vi a marca que creio não ter sido desenhada no chão, nem fita vermelha que se rompa de encontro ao peito. Não ouvi fanfarras, nem isoladas palmas. Passei por esse portal de olhos fixos numa distração qualquer, gesto que sempre foi a minha maior desgraça e a minha maior sorte. Uma manhã igual a todas as outras, o esquecimento, de boas contas, levou o que tinha a levar e restituiu-me a liberdade. 
Pesa tanto quanto a memória que a resgatou.



sexta-feira, 6 de abril de 2018

Quando a chuva se for embora

Contei sete luas pelos dedos dos pés.
Era uma noite quente num dos telhados de Lisboa
mas depois vieram o vento e o frio e a chuva, por esta ordem.
Os telhados ficaram desertos, a escorregar sozinhos,
e nós não chegámos a deitar-nos sob a luz da lareira acesa.
Quando a chuva se for embora, irás com ela.
Para que nada distraia a primavera.

Diário de Bordo

Querida tripulação:

Não é que a bravura, a intrepidez, as calças justas debaixo dos casacos de missangas bordadas e o lenço encarnado a cobrir-me os cabelos não me fiquem bem. É que oito anos capitanear um navio Pirata, oito anos à cabeça de uma tripulação de delinquentes, criminosos e poetas, que é tudo a mesma coisa, oito anos a planear e a praticar o saque e a espada, oito anos a comer a comida de Andrimnir, o cozinheiro Pirata, a acordar com os uivos de Polly, o papagaio, a driblar os desamores de Giulliano, o Pirata Italiano, a conter os motins dos ex-presidiários, a tentar manter sóbrio Álvaro de Campos, ele mesmo, oito anos neste navio, dizia, sem secador de cabelo, sem vestidos de seda, sem sandálias de solas vermelhas, sem uma boa maquilhadora e, por último e não menos importante, sem sequer poder namorar, fizeram com que, em suma, me tenha farto de todos vós.
Foi imbuída desse bom espírito que aceitei o convite de Jack Sparrow para passar uns regeneradores tempos num estúdio da Disney e é lá que tenho estado desde então. Não vos escrevi antes porque tenho estado demasiado ocupada a contemplar perfeitos ocasos pintados em papel crepe, com uma mão num cocktail lilás e a outra na mão do Jack.
Não sei quando volto, mas deixei os comandos do Aleph entregues à grande Pirata Palmier Encoberto e tenho a certeza que está tudo bem. Vi que escreveu um diário de bordo, certamente a contar as glórias da última campanha, mas aqui, nos estúdios da Disney, há links que se se recusam a abrir.
Obedeçam-lhe como me obedeceriam a mim.
Muaaaahhhhhh