O amor não nos salvou.
Levou com ele o que tínhamos e deixou-nos dentro do peito uma máquina de bombar mercúrio.
O metal espalhou-se até à ponta dos dedos e envenenará para sempre tudo aquilo em que tocarmos.
O amor nem sequer nos perdeu.
Só nos tornou tóxicos.
(imagem de Toni Demuro)
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
domingo, 27 de janeiro de 2013
E sigo o rumo das papoilas e digo que amo as coisas raras
ACIDENTE I
(helderiana virulenta)
eu às vezes apetece-me que vocês sejam felizes hoje,
roubando aos bocados. Com gotas de sono a morder alto,
rebentando nas asas.
Às vezes procuro chamar a atenção, isto é, por vezes decido morrer
para sempre. Sem anzóis a cair dos braços movendo o ritmo do ar.
E sem pena, horizontal a tudo. Então costumo ver os amigos encostados
uns aos outros, lavando árvores. Ou entrando pelo sangue, com as mãos
todas a dar olhos.
Lembro-me de vocês quando decido morrer para sempre.
E quando sou eterno, comendo folhas sentado.
Sei que há paredes brancas onde as éguas não entram. Ficamos
às vezes à conversa nos rios infinitos, chorando lentamente
uma felicidade louca. E somos loucos perguntando, chovendo
no coração louco. E nada existe que não seja apavorado e
tremendo.
Mas tu sabes. Eu quero que tu oiças. As nuvens são inteligentes
e é por elas que as nossas mãos recebem. Por tudo quanto não existe,
pondo pedras demoradas junto ao lugar do amor. Tantos mortos,
dizes,
órgãos repartidos por tanta nenhuma coisa. Nada. Tanto.
Eu sou louco e compreendo. Eu tenho o meu orgulho e a minha força.
Canso-me. Uso as minhas mãos. Deixo o coração ser alternado
e comestível. E o vento passa lá fora e eu passo cá dentro e lá fora.
E sigo o rumo das papoilas e digo que amo as coisas raras.
Neste extremo lugar dos homens,
coroado de tudo.
In As Limitações do Amor são Infinitas - Sombra do Amor - Edições
FURTADO DAQUI
(helderiana virulenta)
eu às vezes apetece-me que vocês sejam felizes hoje,
roubando aos bocados. Com gotas de sono a morder alto,
rebentando nas asas.
Às vezes procuro chamar a atenção, isto é, por vezes decido morrer
para sempre. Sem anzóis a cair dos braços movendo o ritmo do ar.
E sem pena, horizontal a tudo. Então costumo ver os amigos encostados
uns aos outros, lavando árvores. Ou entrando pelo sangue, com as mãos
todas a dar olhos.
Lembro-me de vocês quando decido morrer para sempre.
E quando sou eterno, comendo folhas sentado.
Sei que há paredes brancas onde as éguas não entram. Ficamos
às vezes à conversa nos rios infinitos, chorando lentamente
uma felicidade louca. E somos loucos perguntando, chovendo
no coração louco. E nada existe que não seja apavorado e
tremendo.
Mas tu sabes. Eu quero que tu oiças. As nuvens são inteligentes
e é por elas que as nossas mãos recebem. Por tudo quanto não existe,
pondo pedras demoradas junto ao lugar do amor. Tantos mortos,
dizes,
órgãos repartidos por tanta nenhuma coisa. Nada. Tanto.
Eu sou louco e compreendo. Eu tenho o meu orgulho e a minha força.
Canso-me. Uso as minhas mãos. Deixo o coração ser alternado
e comestível. E o vento passa lá fora e eu passo cá dentro e lá fora.
E sigo o rumo das papoilas e digo que amo as coisas raras.
Neste extremo lugar dos homens,
coroado de tudo.
In As Limitações do Amor são Infinitas - Sombra do Amor - Edições
FURTADO DAQUI
Etiquetas:
a saudade.,
Cuca,
se fosses flor seias papoila
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
A casa na praia
À medida que ia ouvindo a discografia dos Beach House fui percebendo que a nossa história foi uma encenação das músicas da banda. Nem sequer nos faltaram luas brancas e almas prateadas.
Não me é completamente estranha a sensação de ter sido personagem induzida de um guião de outros.
Mas em matéria de alucinações a dois não há nada como a primeira vez.
Apesar de tudo, sempre se vive melhor dentro de uma casa na árvore num mundo imaginário do que dentro das músicas escritas pelos outros num universo sem mundo.
Também é mais fácil regressar da primeira fantasia.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
veneno
Consomes os dedos e as cordas na
fúria mas a tua música sabe-te ao ácido no estômago. A contorção faz-se de fora
para dentro. A saliva que te entra na boca é tóxica e não compensa o frio que
te sai pela pele e navega muitas milhas. Até perder o rumo do teu corpo e
entrar no meu quarto enquanto durmo. Sonho que estou de mãos dadas contigo em
frente à porta de um cemitério e acordo enrolada ao teu frio. Dás muitas voltas
sobre ti próprio para conseguires permanecer no mesmo lugar. Há um lobo doente
que olha para mim na sombra da janela. As tuas mãos roídas denunciam o leilão
da alma. Tens alguma paz no desmaio, mas terás sempre que regressar de ti
próprio.
Escolho não te explicar a
subtileza da diferença entre o ato de abandonar e o de libertar.
Porque saber é um placebo e
sentir é um remédio...
sábado, 19 de janeiro de 2013
Uma chave e um pedaço de papel
I've got a key
And a piece of paper in my pocket deep
In my pocket piece of paper and a key
As i wander through the street
War is there a war
or is there isn't a war anymore?
Somebody told me that nothing is for sure
Can you hear the ocean roar?
On each street is a tree
In the distance the desert sleeps
Sometimes a sigh is a song
And a breath is a melody
Oceans rise and oceans fall
So just what does tomorow mean?
I give smile I give song
For one moments eternity
[Chorus]
Na na na na na na na na na na na
Na na na na na na na na na
Na na na na na na na na na na na
Na na na na na na na na na
Oh but it's some mob
Some mob that brought me here i know it is my job
To seek my fortune Nanna thank you for this mob
Remember you now you are gone
If i went away
Tropical island somewhere sunny every day
But everyone i ever cared about remained
Would i tan or would i fade?
So every morning he wake
Spend his day at the daybreak
And every spoonful he take
Be of something his own make
Mountains rise and mountains fall
So just what does forever mean?
I give a smile I give a song
For one moments eternity
sábado, 12 de janeiro de 2013
Angústia em forma de música
Acho mal que se perca tempo a escrever música em homenagem a Eros, essa desprezível criança malévola que condenei à morte.
Mas, sendo imparcial, tenho que reconher que Ludovico Einaudi musicou maravilhosamente a impressão digital desse delinquente perigoso: a angústia.
(de) Composições IV
Foi uma fogueira magnífica.
Senti os teus dedos riscarem o fósforo
e vi o teu rosto sob todas as tonalidades de lume
ao som dos estalidos do esvair da matéria.
O piano ardeu durante muito tempo.
Depois as cinzas arrefeceram
Em silêncio.
excesso de paciência
Depois de três semanas de fracasso absoluto a tentar educar um cão com as técnicas do "positive training" (que é o mesmo que dizer levá-los a fazer o que pretendemos não por nos temerem mas por nos quererem agradar) tive um acesso de fúria graças ao qual descobri a eficácia instantânea do velho método do espancamento com um jornal.
Tivesse eu comprado um cão há mais tempo e teria dispensado muitas horas de interrogação metafísica sobre as indesejáveis atitudes de algumas pessoas que me rodeiam.
As teorias humanistas são giras mas não há comunicação tão eficaz como uma boas jornaladas no lombo.
O meu cão ensinou-me que sou vítima do meu excesso de paciência.
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
lobotomias sociais
Podem-se utilizar na gestão da vida as ferramentas do facebook.
Mas apagar meses da cronologia não deixa um rasto branco. Deixa um rasto branqueado.
E é preciso que se seja o tipo de pessoa capaz de prostituir a sua própria história.
Esse último reduto da dignidade humana.
Mas apagar meses da cronologia não deixa um rasto branco. Deixa um rasto branqueado.
E é preciso que se seja o tipo de pessoa capaz de prostituir a sua própria história.
Esse último reduto da dignidade humana.
sábado, 5 de janeiro de 2013
Winter party
À falta de melhor pretexto, comemorámos a chegada do inverno.
Seria fraco motivo de celebração se não se desse o caso de ser duas estações à frente do último verão.
A cumplicidade é o vício incurável daqueles que partilharam um terço das suas vidas e a associação criminosa no homicídio da parte restante. Os nossos pecados há muito que se dissiparam noutras dezenas de estações. Nenhum de nós perdoou o outro. Esquecemos e esquecemos e esquecemos. Até guardarmos apenas o álbum mental da família feliz e das aventuras de viagem.
Ele será sempre o único capaz de me comprar sapatos que me sirvam, saber qual a comida que me apetece, escolher vinhos que me surpreendam, fazer-me rir em instantes dramáticos e perceber quando lhe estou a mentir.
Comemorámos a chegada do inverno. E ele fez-me o favor de fingir que à primavera sucedeu o outono.
Seria fraco motivo de celebração se não se desse o caso de ser duas estações à frente do último verão.
A cumplicidade é o vício incurável daqueles que partilharam um terço das suas vidas e a associação criminosa no homicídio da parte restante. Os nossos pecados há muito que se dissiparam noutras dezenas de estações. Nenhum de nós perdoou o outro. Esquecemos e esquecemos e esquecemos. Até guardarmos apenas o álbum mental da família feliz e das aventuras de viagem.
Ele será sempre o único capaz de me comprar sapatos que me sirvam, saber qual a comida que me apetece, escolher vinhos que me surpreendam, fazer-me rir em instantes dramáticos e perceber quando lhe estou a mentir.
Comemorámos a chegada do inverno. E ele fez-me o favor de fingir que à primavera sucedeu o outono.
Todos estarão certos nem que seja uma única vez na vida
Enquanto me pergunto o que fazem os "homens da luta" na minha televisão a um sábado à noite, ouço-os dizer que a prova de que o país bateu no fundo é que lhes deram um programa de televisão.
É claro que estão certos.
Todos os povos merecem o país que têm.
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
de regresso a essa estância balnear abandonada, que é a minha nova terra
A menos de uma hora do fim
oficial das minhas férias ocorre-me que poucas pessoas serão tão habilidosas
como eu na arte de deixar escorrer o tempo pelos dedos das mãos.
E canto-a sem nome para ti
A Música
A música
partilha com a flor
a carne que se alaga como um copo.
A música é um rizoma atómico
cheia de sílabas grossas e finas
no peito maduro da onda.
a carne que se alaga como um copo.
A música é um rizoma atómico
cheia de sílabas grossas e finas
no peito maduro da onda.
Por isso
a onda cai e a flor
também. E se te digo sei que ficas
triste e é quando substituis essa
geração de força por dois pequenos
vasos à entrada do teu dorso (e qual
és tu e qual sou eu é uma haste subindo)
também. E se te digo sei que ficas
triste e é quando substituis essa
geração de força por dois pequenos
vasos à entrada do teu dorso (e qual
és tu e qual sou eu é uma haste subindo)
Do teu
lado esquerdo é dia.
O vestido é branco e aponta
a cidade a que chegas com os
dedos, rodando os ombros mas
não a cabeça. O teu olhar
é uma ferida musical sem verbo fixo:
a penumbra bate às vezes na
pálpebra, outras na imaginação.
O vestido é branco e aponta
a cidade a que chegas com os
dedos, rodando os ombros mas
não a cabeça. O teu olhar
é uma ferida musical sem verbo fixo:
a penumbra bate às vezes na
pálpebra, outras na imaginação.
A queda
gera o seu próprio
impulso, como se fosse o preen-
chimento de uma forma: chama-se amor
e serve para os ouvintes ouvirem o esbracejar
do desejo, esses versos de asa silenciosa-
ouves?
impulso, como se fosse o preen-
chimento de uma forma: chama-se amor
e serve para os ouvintes ouvirem o esbracejar
do desejo, esses versos de asa silenciosa-
ouves?
Há poetas
azuis que julgam que a
coerência é um pardal azul (da goela
até aos pés). Normalmente limpam os óculos
com coerência, em vez de com (enfim)
e depois vêem o mesmo pardal, a todas
as horas do dia e da noite, sentado azul-
mente sobre o seu nariz azul.
coerência é um pardal azul (da goela
até aos pés). Normalmente limpam os óculos
com coerência, em vez de com (enfim)
e depois vêem o mesmo pardal, a todas
as horas do dia e da noite, sentado azul-
mente sobre o seu nariz azul.
Pela
direita, dizes que os versos
não caem se mudares constantemente
o chão. Mas os sonhos sim, e que a transla-
ção do vento sabe do remorso dos bichos mais
pequenos: procura as palavras junto ao chão
e se não me vires,
é porque o silêncio é também a música
e canto-a sem nome
para ti
não caem se mudares constantemente
o chão. Mas os sonhos sim, e que a transla-
ção do vento sabe do remorso dos bichos mais
pequenos: procura as palavras junto ao chão
e se não me vires,
é porque o silêncio é também a música
e canto-a sem nome
para ti
Rui Costa, in Um
poema para Fiama, Labirinto,2007
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
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