sábado, 19 de novembro de 2016

Diário de Bordo

Regressei ao Aleph com a nostalgia melada de quem retorna a um lar. Na minha ausência, como sempre acontece quando se deixa o destino de um bando fora da lei entregue ao desnorte da anarquia, tudo correu maravilhosamente. A intrépida tripulação, para manter a boa energia criminosa, entreteve-se a assaltar turistas de navios de cruzeiro. Temos as arcas cheias de jóias, visons naftalinosos e cupons de bebidas pré pagas que, querendo, podemos trocar aos balcões do sea cruise não sei das quantas desde que o ataquemos antes do final do prazo de validade.
Andhrinimir, o cozinheiro pirata, foi o único que não pareceu feliz com o meu regresso. Limitou-se a grunhir ditongos incompreensíveis quando, esta manhã, me serviu umas panquecas mais horríveis do que a minha memória pode reter. Gualtiero, o Italiano e os ex-presidiários pareceram-me razoavelmente contentes com o final das minhas férias. Disseram-me que se demorasse mais tempo encontraria o navio redecorado com purpurinas e confetis. Aos bloggers e aos poetas ainda não os vi. É sábado. Não há poetas nem bloggers antes do meio da tarde de domingo. Vem nos livros.
Passei o dia no convés, sentada na minha velha cadeira de pensar, com os pés debaixo do meu cão e o pulso assente na lombada de um qualquer tomo de Borges. 
Pensei em muitas coisas: na camisola de caxemira branca que preciso de comprar online; nesse facto objetivo que consiste em ter deixado de me cruzar com borboletas; no insondável desígnio que faz com que os humanos insistam em amar-se uns aos outros; no não menos insondável desígnio que é o correspetivo do amor; numa pauta de música que ainda não consegui decorar; na longevidade das baleias; numa receita de muffins; no livro de Steiner que lerei; num poema que talvez traduza; no destino de um garoto que vi num documentário feito para nos deixar a pensar no destino das pessoas documentadas; numa ruga nova que veio habitar a minha testa; em Jack Sparow, a tornar-se um minúsculo pontinho no horizonte, na despedida de Tortuga. 

A vida pode ser coisa boa.








12 comentários:

  1. Cuca, os muffins não te assentam bem. E hoje nota-se mais ainda, com o Jack Sparrow embarcado (devias tê-lo deixado em terra, evidentemente).
    (aposto que nem esse canito pirata aguenta os muffins, blhargh!)

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    1. Considera a aposta ganha, dado que esse episódio já foi visto na vida real... :)))

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  2. Jack, manifestamente melancólico, observando o regresso d'A Pirata (de avião, ao que parece, ou gaivota).

    Bom fim de semana, cara Cuca.

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  3. essa parte do jack sparrow é que não me parece nada bem...

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  4. E nem comentas as belas alterações que fizemos com a ajuda do crido mudei a barca...

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    1. Toda a gente sabe que sou miseravelmente distraída. Vou precisar de mais uns dias para interiorizar estes novos salões arejados.

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    1. Se ficasse com ele no navio ainda me lembrava de transformar esta barcaça no barco do amor...

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  6. caramba, o que eu gosto deste Sparrow malcheiroso (e ficará para sempre na memória aquela deixa que constava de algo do género: "quando vejo uma oportunidade de ser bom, i wave it goodbye!"; era isto, não era? :)

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    1. O jack é o único macho alpha da história do cinema que cheira mal.
      :)

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