quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Pó do deserto

A nostalgia que antecedeu a areia foi, afinal, as primeiras partículas de pó do deserto a instalarem-se na alma. 
O dia amanheceu longínquo e indistinto, com um sol mascarado de lua e o mundo à distância de um véu opaco que não nos deixa ver as próprias mãos. Há areia por todo o lado: debaixo das unhas, dentro das pálperas, imiscuída nas veias. Agora o dia cai sem que sequer dele se possa dizer que se chegou a erguer. Arrumo a corda de funambulista onde dancei durante as últimas horas e dela sacudo o deserto. 
O nosso equilíbrio é tão precário que basta um grão de pó de areia para nos precipitar na queda livre do abismo que nos aprisiona. 

3 comentários:

  1. Na minha última publicação no meu blog, coloquei um podcast musical que fala de bandas e movimentos que tiveram expressão a partir dos anos 80. Mais para o final, uma voz diz qualuer coisa como isto: «a sua morte foi um choque mas não uma surpresa, ele estava apaixonado pelo abismo e se tu olhas para o abismo, mais cedo ou mais tarde poderás cair.»
    E um dos segredos do funâmbulo é não olhar para o abismo debaixo da corda, dançar não pensando em nostalgia e outros sentimentos que nos podem fazer cair.
    O abismo pode ser interessante, poderemos querer conhecer a priori como seria se caíssemos mas deveremos mantê-lo a uma certa distância para que não caiamos «de facto», o abismo pode ser uma prisão mesmo que auto-imposta mas há vida para lá dos abismos.

    (os meus dois centavos de filosofia de auto-ajuda)

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    1. Nunca olhar para o abismo quando em cima de uma corda!

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    2. Se é importante a gente apaixonar-se, viver o amor, conhecer intensamente, também é fundamental saber como nos desapaixonar, como largar a obcessão, como deixar ir o fantasma!

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