segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A Trama

Para que o horror seja perfeito, César, acossado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais dos seus amigos, descobre entre as caras e as lâminas a de Marco Júnio Bruto, seu protegido, talvez seu filho, e deixa de se defender, exclamando: «Também tu, meu filho!» Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito.
Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias: dezanove séculos depois, no Sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e diz-lhe com mansa reconvenção e lenta surpresa (estás palavras têm de ser ouvidas, não lidas): «Pero, che!» Matam-no e não sabe que morre para que se repita uma cena.

Jorge Luis Borges, Obras Completas, II, O fazedor.

2 comentários:

  1. A propósito, disse Alberto Manguel: «'¡Pero che!' é intraduzível. É uma dessas expressões locais cujo sentido depende não só do tom e dos gestos com que é falado, mas de uma infância passada num bairro de Buenos Aires, de conversas em cafés obscuros e de nostalgia obrigatória.»

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    1. Acabo de perceber que este texto serviu de ensaio a um outro conto de Borges.

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