Às vezes, quando anoitece nesta estância balnear que agora voltou a estar abandonada e o silêncio cai sobre a sala e arde a mesma baunilha na atmosfera e a mente desfoca-se numa miopia cansada, o espanto sobe como um arrepio que denuncia o frio muito depois de se ter instalado e é só então que percebo que ainda sou surpreendida pela notícia da tua morte.
É nessas alturas, quando o espanto dá lugar à raiva que se espande para além do limite onde não mora o perdão, que percebo a utilidade dos rituais da morte.
As pessoas homenageiam os seus mortos não para os manterem vivos na sua memória, mas para garantirem a lembrança de que os seus mortos morreram. Para nunca serem surpreendidas por este espanto terrível que não se aprende nem com a frequência.
Não te acendo uma vela que ilumine a minha memória por desconhecer o protocolo do lugar de destino. Além do mais, um dia assisti a uma sessão espírita caseira em que o morto da dona da casa, indignado, se deu ao trabalho de aparecer para a censurar por não lhe acender velas. É, pois, a minha melhor esperança de te retribuir o incómodo pela ausência. E pelo espanto. E pela raiva.
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