segunda-feira, 8 de agosto de 2011

dos tesouros nos roupeiros

dizem que arrumar o roupeiro traz boas vibrações. que espanta maus fluidos, que faz bem livrar-nos das roupas, malas e sapatos que já não têm a sorte de vir connosco para a rua. devem sair porque de outra forma ficam ali, naquela caixa de madeira ao alto. a apodrecer. como cadáveres. parece-me consensual que ter defuntos em casa não é boa onda.

pelo que, no interim desta vida de neo-nómada que escolhi, hoje foi dia de organizar vestidos (no sentido lato da palavra).

já três cadeiras da sala de jantar seguravam, aflitas, as tristes peças mortas de mangas a pingar para o chão quando passei às caixas das malas. tinha um objectivo: as não usadas há mais de duas temporadas iam para braços diferentes dos meus, sendo a única restrição a mesma que se faz aos vestidos de festa, aos casacos de inverno, e aos sapatos: aqueles que são investimento, ficam.

encontrei uma mala de pele tostada Miguel Vieira, do tempo em que o Miguel vinha connosco beber um copo ao Pé de Salsa e ainda não desenhava sapatos brancos e bicudos para homem. para além de assumir-se como investimento, é bonita e muito seventie’s, pelo que fica com a dona e vai sair para dar umas voltinhas ainda este Verão.

abri (porque encontro sempre qualquer coisa dentro de malas guardadas) e encontrei isto. não me perguntem a razão de as pessoas se apaixonarem. não sei porque acontece. mas quando acontece, é assim:

“saberás porventura que não é suficiente o tempo,
e que será logicamente curta a vida,
para que nela percorramos por inteiro este país de entrega, de nudez,
o território de sintonia que trazemos pelo coração?

saberás…?

soube essa certeza um outro dia, num acaso de tempo que assim nos transtorna,
enquanto se escurecia o céu, num esgotamento.
soube que assim não serão suficientes os dias e todo o brilho prateado agregado nas luas.
que não serão suficientes as horas, pois nelas não se dividem em suficientes, os minutos.
e que assim, não chegarão as palavras que haveremos ainda de trocar,
e desse modo tornar mais extensa, a língua tão circunscrita dos dicionários.

soube pois que será o conceito de segundo que nos conduzirá à morte
– à minha ou à tua morte, a morte de ambos –
aborrecendo-nos de sobremaneira esse simples facto, por tudo ter sido tão magnificamente fulminante.
sei que nos causará também aborrecimento esse fim,
por não podermos alongar um pouco mais esta nossa luz.
e nesse acaso fulminante, escurecido,
compreendi que a eternidade das coisas nossas
começou no exacto segundo em que por mim te cruzaste,
trazendo já a marca sábia das teocracias:
a do destino infinito.

e fora assim, já em eternidade, o nosso encontro…

a eternidade és tu, sou eu,
são todas as horas que consigamos imaginar por cada segundo,
e na paixão iludir a monotonia cansada dos dias, inventando impossíveis,
arquitectando novas medidas para nelas aferir um curso mais pausado do tempo…”


3 comentários:

  1. eu ás vezes descofio que tu escreves essas coisas lindas sobre o amor apenas para me contrariar.
    :P

    Cuca

    ResponderEliminar
  2. não é nada disso!
    i'm a true believer.

    ResponderEliminar
  3. Eu quando limpo os roupeiros, dentros dos bolsos e das malas, só encontro caixas de pastilha derretida e comprovativos de pagamento de sapatos.

    Cuca

    ResponderEliminar