sábado, 7 de janeiro de 2017

Espaços vazios

Mesmo os lugares mais rarefeitos, como o espaço sideral e a estupidez humana, são preenchidos por alguma coisa: luz, metais leves, preconceitos, partículas e subparticulas dos átomos, radiações, chavões e telenovelas. A natureza enche chouriços, não há espaço vazio nas suas tripas. Um homem olha à sua volta e não encontra nada que não esteja já ocupado. Assim pensam os homens com a razão e a lógica que se passeia nos interstícios dos seus cérebros cinzentos, nessas dobras confusas que se assemelham a um intestino redondo ou a uma noz. Mas os homens que pensam com os sentimentos, têm outra lógica a nadar-lhes nas veias e artérias. Esses acreditam no vazio porque o vêem a toda a hora dentro de si. 

Afonso Cruz, Jesus Cristo Bebia Cerveja, Alfaguara. 

6 comentários:

  1. Poderá o vazio ser um excesso de auto-negação, quero dizer, não existe vazio, mas bloqueio?

    Aquilo a que chamas futilidade, por exemplo, pode não ser um artifício que preenche vazios mas o conteúdo/ natureza tout court. Uma espécie de "Deus sive Natura", a uns a futilidade, a outros, a profundidade (e a outros ainda, como eu, a maluquice)

    :D

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    1. Temo que o vazio seja mais excesso de auto consciência do que auto-negação.
      A futilidade, quando não é dádiva da natureza, pode cultivar-se.

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  2. O mesmo acontece com o pensamento, é impossível não pensar em nada.

    (tenho esse livro na pilha que está à minha espera para ser lida)

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