terça-feira, 27 de setembro de 2016

Emergência da verdade

Com a canícula ainda agarrada à carne 
e a emergência da verdade nos restos do sonho da sesta 
declaro-te que não sei do que falas quando dizes amor. 

Há também aquele anjo de louça, 
ajoelhado em inútil oração, 
de castigo de encontro à porta da vizinha inglesa, 
e lamento-o, quando por ele passo, depois do cansaço do dia,

Mas não lhe digo que o amo. 

Ou a papoila selvagem que insiste em nascer de um resto de terra, 
entre a calçada e o canteiro, 
e é o meu pequeno milagre do fim do inverno, 
que nunca sobreviverá à primeira lua do verão. 

Mas também a ela não juro amor. 

Há o gato que coabita o meu telhado e,
no sol frio da manhã,
estende a pata ferida para verificar a eficácia das garras contidas. 

Não seria capaz de amá-lo.

Nem sequer ao louco que desfila na rua
e engole com os olhos dementes
 os meus mais tristes segredos,
para os guardar dentro da bizarra cartola
que nunca  o vi estender 
na direção dos outros transeuntes.

E este ser 
que é soma do anjo de louça, 
da papoila intermitente, 
do gato ferido e do louco vadio, 
declara não supor, 
sequer, 
do que falas, 
quanto dizes amor. 





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