sexta-feira, 23 de julho de 2010

Salve Regina


Nininha Regina nasceu na casa grande. Era nininha pois sinhaninha coube à irmã mais velha. Foi a quinta, de oito. A sua infância cheirou a soalho de madeira, a toró de Verão. Soube a fruta e a manteiga feita em casa. O seu corpo cortou-se no mato e refrescou-se numa cachoeira que ficava muito para lá do terreiro de secar café. Tudo isto sem sair da fazenda. Teve vestidos de Domingo. Vestidos de ir à cidade de automóvel. Cabelo entrançado. Coroas de samambaia. Bicho de pé. Febres. Pretos de corpo livre e alma escrava. Instrução completa. Leu tudo o que havia para ler. Mas havia pouco. Acabou por decorar grande parte da bíblia.

Não escolheu o marido. Ferraram-na com um sobrenome francês aos 19 anos. E foi para a capital, sofrer. Não teve medo. Aproveitou todo o tempo disponível para ler tudo o que pôde. Para ver tudo o que conseguiu. Para estudar mais duas outras línguas. Só não tinha as noites para si. Eram o seu Inferno. Recebia obediente o “francês” que, afinal, era argentino de sobrenome terminado em “n”. O bom que ele tinha eram os dias. Porque esses, deixava-os todos para ela.

Num Outono de garoa fina acabou uma tarde de passeio com a irmã mais velha no Teatro Municipal. Ouviu um violino que a encheu de vontade.

Vontade férrea. Divorciou-se do “francês”. O pai, desgostoso mas cheio de amor, manteve-a na capital porque sabia que os seus pulmões já se haviam habituado aos ares do planalto.

Nasceram os seus dois filhos. Ele calou-se cedo demais. Ela ainda viveu muito, muito, muito tempo. Quase teve tempo de ver o seu mais novo morrer.

O violino está em minha casa. Ela queria assim. Nunca conheci os dedos que o tocaram. Da última vez que a vi, encharcada, disse-me que pensava em mim todos, mas todos os dias da sua vida. Arrivals and Departures.
O seu último frasco de perfume – no fundo de uma gaveta da minha cabeceira. Raramente o abro porque o que está lá dentro tenho-o ao pé de uma tralha que trago pendurada ao peito.

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