As mudanças de casa são uma excelente ocasião para encontrarem objetos inúteis que foram, um dia, suficientemente valiosos para justificarem o incómodo de os desejar, guardar e até esconder.
Entre o pasmo e a nostalgia - creio até ter descoberto a pasmalgia, um estado de espírito ainda não catalogado - abri um envelope cujo deslembrado conteúdo é uma vasta coleção de fotografias dos pés de um único homem. Entre muitas outras, dois pés assentes no convés de um barco e uma bandeira em plano de fundo. Um pé num horizonte azul com nuvens brancas. Dois pés submersos na água do mar. Dois pés pousados no mapa de um cartaz a anunciar um rally. Dois pés semienterrados na areia escura. Um pé pousado no braço de um sofá de riscas. Dois pés a tornearem o volante de um carro. Dois pés assentes numa mesa de mistura de som. Um pé junto do que me parece ser a janela de um avião. Outro pé ao lado de um copo de bushmills. Os mesmos pés novamente submersos na água do mar...
Depois de inspeccionar as fotografias como se as visse pela primeira vez e de fechar o envelope, hesitei no destino a dar a tão bizarra coleção, angariada ao longo de vários meses.
Os pés retratados há muito que sustiveram os passos da distância e os dias lavraram os vastos quilómetros de um esquecimento semeado.
Teria sido demasiado pragmático atirar o envelope para o lixo; dramático, dirigi-lo à morada do modelo; romântico, guardar as fotografias num álbum apropriado. Optei por devolvê-lo ao caos, enfiando-o ao acaso numa de várias caixas cheias de fotografias.
É quase, espero, tão improvável reencontrar a minha bizarra coleção de pés, como voltar a amar o suficiente para, sequer, compreender a sua existência.
também tenho alguns pares dos mesmo pés.
ResponderEliminarjá os deitei várias vezes fora, mas alguma coisa por dentro faz-me sempre recuperá-los.
são pés que não me levam a lado nenhum :)
Os pés que já não levam a lado nenhum podem sempre ser úteis como marcadores dos sítios onde já se esteve.
Eliminarnem isso :)
Eliminarinutilidades
Inutilidades foi, precisamente, o primeiro título deste post...
ResponderEliminar:))))
Man, i mean, Cuca, Laruca,
ResponderEliminaralembra-te da sustentabilidade, isto é, tanta cena reutilizável outta da post (por belo - que é - que seja): papelão, papelão!
:*
Bom, isso já seria uma ecopasmalgia...
EliminarO Amor tem de facto coisas muito engraçadas e únicas :)
ResponderEliminarO mais engraçado é a decisão de deixar tudo tal e qual estava :)
É a reposição da ordem imediatamente anterior...
Eliminaralém do mais, já diz o bom povo: quando não sabes o que fazer, não faças nada.
Existe aí algures uma contradição, cousa que mui me apraz e, de resto, me tem mantido os níveis mínimos de existência :
Eliminarreposição implica acção, quando o povo quer mesmo mais de nada (ok, parece, mas não é mais do mesmo :)
E eu com esperança que ninguém reparasse...
ResponderEliminar:)))
Um ponto de encontro, inesperado, o passado cosido ao presente e agora, de novo, cosido ao futuro. Como se fosse uma carta para ti mesma, quiçá a ser recebida numa próxima mudança de casa.
ResponderEliminarBolas, este post é lindo.
Damn you both, Laruca, Cuca, Rodrigues, Susana, lindas sois vós, c'ais quê, c'ais postes, quando ardem!
ResponderEliminarNão ledes as parangonas?
Bu.
Também em arrumações, até encontrei uma lista de sms trocados com um amor desses que se pensa muito grande e acaba num instante, foram cuidadosamente passados para papel depois de apagados do TM, ele há com cada coisa que fazemos...mas a listinha foi para o lixo, desde que tenho a noção da fragilidade da vida que há coisas que não quero deixar para outros arrumarem.
ResponderEliminar~CC~
É, também essa, uma coleção bizarra...
Eliminar:)
E isto de me provocarem pensamentos difíceis logo de manhã, chamo o quê? Matinodificuldades? Matinoexistencialismo? Duvidal?
ResponderEliminarNão dá!
É voltar à noite...
Eliminar:)))