quinta-feira, 8 de junho de 2017

Outras coisas

Os três volumes de Sophia, recusados com desdém pelo meu poeta morto.
O anel de flores-do-lis incrustadas que, talvez sem ilusão, vai atravessando três gerações.
Os sapatos prateados que, numa tarde de chuva, um homem calçou nos meus pés nus.
A algema que durante dez anos trouxe o pulso direito preso ao coração.
O quadro onde pintei a felicidade e que é hoje mera prova de cronologia factual.
Uma boneca de sabão esquecida na estante dessa casa na planície cuja rua tinha um nome que já esqueci. 
O bilhete de um concerto a que fui sem assistir e aquele outro bilhete de uma viagem a que assisti sem ir. 
São os objetos que me sobreviverão. 

6 comentários:

  1. Mas se sobreviverem, serão os mesmos objetos?

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  2. os objectos são máquinas de fazer sobreviver os passados, passados que afinal de contas já deviam ter morrido. Um catch-22 da vida.

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  3. Nunca saberei explicar o estranho fascínio que sobre mim exercem os objectos sobreviventes. No que toca àqueles pessoais, de primeira mão ou herdados, a razão* quase sempre vence e, após algum tempo de resistência, segundos ou anos, livro-me deles.


    (* talvez racional, talvez razoável)

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