domingo, 27 de outubro de 2013

Diário de Bordo # 5


Somos oficialmente fugitivos...
Depois daquela brincadeira com o petroleiro, conseguimos atrair a atenção das autoridades marítimas e devo dizer que fugir da polícia é menos divertido do que inicialmente se poderia pensar. 
Não gosto de dizer mal da minha classe e até cultivo um certo corporativismo sadio, mas há que reconhecer que o índice de cobardia na classe dos capitães de navios é qualquer coisa de assustador. O intriguista não teve coragem de assumir que nos entregou o comando do petroleiro dois minutos e meio depois da nossa abordagem e sem oferecer outra resistência que não fosse soltar brados aterrorizados que ainda ecoam nos ouvidos mais sensíveis de alguns dos meus tripulantes. Foi fazer queixinhas às autoridades, dizendo que tínhamos mísseis a bordo, o que, por enquanto, ainda é uma aleivosa mentira. Já mandei vir uns quantos pela internet mas parece que estas coisas demoram a chegar e devido à incompreensível burocracia italiana, em cujas águas nos encontramos outra vez, não podem ser remetidos por correio. 
Seja como for, o mentiroso pintou um tal quadro terrorista que temo que os italianos enviem o exército no nosso encalce e tudo por causa de um petroleirozito de nada, cheio de um inútil crude, que só agora me dizem nem sequer servir para abastecer os nossos depósitos e do qual não há meio de me conseguir livrar, apesar dos anúncios que coloquei no olx e no jornal ocasião. 
Como se não bastasse, a minha tripulação está revoltada comigo por ter perdido a comodidade da piscina, transformada em temporário depósito de crude. São tão teimosos que nos primeiros dias ainda insistiam em levar a sua parafernália de bóias, patinhos, crocodilos e colchões de ar para dentro da piscina e banhavam-se no crude. Houve quem aventasse que a espessura do substância era benéfica ao exercício da natação. Por fim, já com o deck cheio de nódoas irreversíveis, fui obrigada a fechar o acesso à zona da piscina. Também tive que encomendar um sabão especial que lhes voltasse a restituir o seu aspecto natural porque, no negrume, já não são se conseguiam distinguir uns dos outros e havia quem não se distinguisse a si próprio. Além disso, as provas do crime estavam à vista de toda a gente.
O plano é simples. Recolhemos a bandeira Pirata e substituímo-la pela bandeira de um daqueles países off-shore onde os burgueses registam os barcos de recreio. Escondemos as vestes Pirata num dos barris de rum, livrámo-nos do papagaio Polly, e agora navegamos disfarçados de turistas veraneantes. Em boa verdade, manter este disfarce só nos custa não alterar rigorosamente nada naquela que é a nossa rotina habitual.
Para melhor treinar o disfarce e porque sabemos estar a ser observados por satélite, ontem sentámos-nos todos nas espreguiçadeiras do convés a ver as estrelas e a beber uns insuspeitos gin tónicos. Álvaro de Campos, o engenheiro naval, disse ter em tempos conhecido um tal de Pessoa que lhe ensinou umas coisas sobre astronomia. Concordámos em receber uma lição sob condição de não falar em verso durante pelo menos dois dias. Tudo correu mais ou menos bem até que começou a falar de Orion. Por razões cá minhas, Orion é uma constelação que me faz alterar o sistema nervoso e o motivo pelo qual uso tapa-olho quando vou à rua em noites estreladas, é para o poder ir desviando por forma a nunca ser obrigada a vê-la. 
Cometi o meu primeiro acto de arbitrariedade enquanto capitã e despedi-o imediatamente, apodando-o de psicopata torturador. 
Acho que o poder me está a corromper a alma.


7 comentários:

  1. «Damnation seize my soul if I give you quarters, or take any from you.»
    Blackbeard

    Bravo!

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  2. Foi em Orion que a Nostromo começou a ser parasitada pelo Alien. Quem se lembraria de dar a uma nave espacial o nome de um romance de Conrad, a não ser Dan O'Bannon?
    Orion, Orion, perturbadora constelação. Feliz a opção de destituir Álvaro de Campos. Ele era capitão, para, na senda de Conrad, conduzir o navio em busca do Coração das Trevas.

    Boa tarde, Cuca!

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    1. tivesse eu visto mais filmes de terror e muita chatice se teria evitado :)

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  3. Depreendo que fomos (des)promovidos de piratas clássicos, de faca na boca, traje clássico boho-chic a White Collar pirates, que sem grande diferença de conteúdo vão salvando as aparências. Lamento a sua aversão ao velho caçador, pois creio que daria um bom patrono, mas cada um sabe de si a a Grande Capitã Cooka sabe de todos. Arrr "Good night, Westley. Good work. Sleep well. I'll most likely kill you in the morning."

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    1. Minha amiga, esse caçador desorientou-me uma vez. Não me desorientará uma segunda...

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    2. Aliás, creio que o termo certo é caçou-me. Quanto aos nossos tão amados outfits, retomaremos o estilo uma vez subornada a polícia italiana.

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