O sol pensa que é Maio. A melhor mesa da esplanada está livre. O empregado já conseguiu aprender que o café é com adoçante e os pastéis de nata são sem canela. A minha revista cheira a novo. Um telefonema liberta-me as horas seguintes. Nem sequer há gente a mais.
O mundo é um local perfeito até o silêncio da mesa do lado me começar a incomodar.
É então que reparo no casal pálido e olheirento, vestido como se fosse para a neve, com uma criança com o carapuço enfiado pela cabeça e a cabeça, por sua vez, enfiada debaixo da mesa, a jogar PSP. Nenhum dos três abriu a boca durante a primeira meia hora. Ela olha de frente para o mar e ele olha de lado para o mundo. Há doze anos atrás foram excelente matéria-prima para românticas fotografias de casamento em pose apaixonada e com o por-do-sol estrategicamente colocado entre lábios unidos por um beijo moderado mas sincero. Uma dessas fotografias deve estar emoldurada na mesinha de cabeceira do quarto deles. Provavelmente, ao lado de uma outra com o miúdo devidamente mascarado de baptizando deitado em cima da colcha de cetim, que ainda deve ser a mesma. De lá para cá o marido engordou dez quilos e a mulher entrou numa cruzada espiritual contra a maquilhagem e a depilação. Não se falam, não se olham, não se tocam. Tão pouco se vêem. Não estão distraídos com um jornal, separados por um pensamento, interrompidos por um telefonema. Nem sequer estão zangados um com o outro. Pura e simplesmente, não têm mais nada para se dizer. São manequins de uma loja, aprisionados numa montra, com o ar vazio e deprimido de um cachorro em exibição numa loja de animais.
São a personificação das minhas fobias, a génese das minhas exigências, a doença que eu rastreio. Apetece-me pegar nos três e deixá-los, assim, a serem eles próprios, no palco de um anfiteatro, enquanto encho a plateia com todos aqueles que me acusam de intransigência.
Meia hora depois, ele abre a boca para se queixar que tem frio. Ela acena a cabeça e confirma que sim, que está muito frio. O miúdo aquece-se com o homicídio de mais um extra-terrestre e se pensasse alguma coisa também pensaria que estava frio.
Um cão aproxima-se, fareja-os, e afasta-se a ganir.
O mundo é um local perfeito até o silêncio da mesa do lado me começar a incomodar.
É então que reparo no casal pálido e olheirento, vestido como se fosse para a neve, com uma criança com o carapuço enfiado pela cabeça e a cabeça, por sua vez, enfiada debaixo da mesa, a jogar PSP. Nenhum dos três abriu a boca durante a primeira meia hora. Ela olha de frente para o mar e ele olha de lado para o mundo. Há doze anos atrás foram excelente matéria-prima para românticas fotografias de casamento em pose apaixonada e com o por-do-sol estrategicamente colocado entre lábios unidos por um beijo moderado mas sincero. Uma dessas fotografias deve estar emoldurada na mesinha de cabeceira do quarto deles. Provavelmente, ao lado de uma outra com o miúdo devidamente mascarado de baptizando deitado em cima da colcha de cetim, que ainda deve ser a mesma. De lá para cá o marido engordou dez quilos e a mulher entrou numa cruzada espiritual contra a maquilhagem e a depilação. Não se falam, não se olham, não se tocam. Tão pouco se vêem. Não estão distraídos com um jornal, separados por um pensamento, interrompidos por um telefonema. Nem sequer estão zangados um com o outro. Pura e simplesmente, não têm mais nada para se dizer. São manequins de uma loja, aprisionados numa montra, com o ar vazio e deprimido de um cachorro em exibição numa loja de animais.
São a personificação das minhas fobias, a génese das minhas exigências, a doença que eu rastreio. Apetece-me pegar nos três e deixá-los, assim, a serem eles próprios, no palco de um anfiteatro, enquanto encho a plateia com todos aqueles que me acusam de intransigência.
Meia hora depois, ele abre a boca para se queixar que tem frio. Ela acena a cabeça e confirma que sim, que está muito frio. O miúdo aquece-se com o homicídio de mais um extra-terrestre e se pensasse alguma coisa também pensaria que estava frio.
Um cão aproxima-se, fareja-os, e afasta-se a ganir.
Gostei mesmo muito :)
ResponderEliminarThanks,Isa.
ResponderEliminarConsultório Sentimental do Dr. Noodles
ResponderEliminarSangue. Manter o tango.
Tesão de mulher e homem se fazerem como se fosse casual, porém sabendo-se aqui. Encontrar outros no mesmo, até à crença de que o outro é tantos e tudo.
Rir. Sempre.
E, talvez tão ou mais importante, não efabular o silêncio. ele é mesmo assim, calado.
Ler. Muito.
Porque as vidas se esgotam no seu cansaço e ter outras sobre as quais dissertar é sempre motivo de conversa.
Fugir. A sete pés.
Dos consultores sentimentais.
[a cuca escreve que é uma maravilha. e publicar, nada?]
Dr. Noodles
ResponderEliminarConcordo que manter o Tango é quase tudo. A intensidade, acima de qualquer outra coisa.
(muito antes disso terá o Noodles um blog de grande sucesso...)
abuso da hospitalidade deste e chega-me.
ResponderEliminarquando falava em editar falava em matar árvores.
São as várias facetas do amor. Gostei muito Cuca.
ResponderEliminarAnónimo, aquilo que eu vi não era amor...
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