sábado, 2 de janeiro de 2016

Diário de Bordo #1 de 2016

Não há organização terrorista que se preze, e não seria este navio Pirata a infeliz exceção, que ignore o perigo que é lidar com amadores. Talvez nem todos o saibam, mas sendo o profissionalismo um valor universal, todos prefeririam ser roubados por ladrões especializados, que vos arrancassem os bens e vos deixassem incólume a possibilidade de os fazer substituir, do que por pilha-galinhas desorganizados, capazes de, no susto, vos tirar a vida esquecendo-se de levar o móbil do crime.
Serve o intróito para justificar as razões pelas quais não tendo tremido diante das Tríades chinesas que em tempos nos levaram a pequena Cutxi, mantendo-me impávida perante as cúpulas da máfia de leste, tendo negociado calmamente com esposas gregas a devolução dos seus maridos pescadores, farejei o perigo real diante disto. E disto. E disto. E ainda disto.
Embora se diga por aí que tudo começou quando este navio roubou uma vaca dálmata que dá pelo nome de mu-mu, na parte que me diz respeito, tudo começou quando na noite da passagem de ano quase me engasguei com uma passa, ao ver do lado de fora do navio um estranho grupinho vestido de negro dos pés à cabeça coberta por um bizarro chapéu de mosqueteiro, a aproximar-se com uma discreta escada fluorescente, daquelas dos bombeiros. O perigo, senti-o naqueles passinhos indecisos e descoordenados onde li imediatamente o epílogo trágico de todos os planos em que a improvisação é marca de água.
Deixei que a tripulação terminasse os brindes e pousasse os copos do mais fino cristal bizantino - e não, como vilmente se disse por aí, de tosco vidro - e perguntei se alguém sabia o que era aquilo. Mas estes bravos Piratas, sempre vigilantes, argutos e preparados para o mal, depois de um relance aos inenarráveis chapéus de mosqueteiro, versão pobre, informaram-me que talvez tivéssemos contratado online um show de variedades protagonizado por uma daquelas companhias que costumam atuar nas sedes das juntas de freguesia das aldeias do Portugal profundo. A justificação satisfez-me, pois, pela escotilha deste navio já entraram mais inúteis e estranhas coisas adquiridas online. 
E se adormeci em paz, fui acordada pelo ruído da guerra. Abri os olhos ao som de gritinhos agudos mais apropriados ao recreio de um jardim de infância do que ao terror de uma batalha. Quando abracei a manhã, já o grupo invasor, fazendo uso das mais temíveis espadas de plástico, se passeava alegremente pelo convés, divertindo-se a fazer estes bravos Piratas andar sob a prancha e gritar por uma coisa que não sei o que significa, mas a que chamam de clemência.
Previsivelmente, já se tinham esquecido que o objetivo do ataque era o resgate da vaca mu-mu.
Ensinam as leis da resistência ao terrorismo que circunstância alguma aconselha a cedência e que, propiciando-se, deve até eliminar-se o pretexto do ataque. Foi na mais estrita obediência a estas leis que dei instruções a Andrhimnir, o cozinheiro Pirata - que por aquela hora ainda ressonava na sua rede - que transformasse mu-mu em bifes de vaca.
Ensinam ainda as leis da resistência ao terrorismo que em todas em todas as situações de perigo devemos criar uma porta que dê ao inimigo a oportunidade de uma saída limpa. Depois de uma daquelas minhas aturadas reflexões de três segundos, e na senda do que tem sido a história da minha existência, ocorreu-me que o melhor a fazer era fingir-me de estúpida, atividade que, aliás, sei desempenhar notavelmente bem e que me tem livrado de diversos dissabores. 
Subi então ao convés e cumprimentei efusivamente as atacantes mosqueteiras, agradecendo-lhes pelo realismo do espetáculo; dizendo-lhos que quase me enganavam com aquilo e que cheguei a pensar que fosse a sério; elogiando a classe dos chapéus e convidando-as para o faustoso brunch.

Tenho a vaga ideia que lá pelo meio da refeição, quando alguém referiu a qualidade da carne de vaca, as vi trocar entre si uns olhares de suspeição. 
Claro que nessa altura já tínhamos largado amarras. Se se portarem bem, deixo-as no porto de Ibiza. 

Adenda: outros capítulos da Vaca Mumu
Pelo Manel Mau-Tempo

58 comentários:

  1. Por las tapas y una copa ?. Muy amable de su parte , gran capitán :)

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    1. Nós somos por aquilo dos direitos humanos. (Quando há alguém a ver)

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  2. já me podes desamarrar? por favor, capitã! eu prometo que nã volto à clemência...

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    1. Eu acho que a Ana tem razão numa coisa: precisamos de um super herói.

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    2. n..u.m.a. coisa... só n.u.m.a. coisa???

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    3. Tudo o mais é propaganda de guerrilheiros que pretendem denegrir o poder instalado...

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  4. Eu acho que me fizeram beber aquelas garrafas de rum só para eu não perceber o enredo! :DDDDDDDDDD

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    1. é simples, Palmier, Rainha da Máfia Russa, tu estás do lado dos maus, isto é, da Cuca Pirata, que roubou a vaca sagrada da minha varanda, na noite de natal. a vaca foi oferecida pela Teresa à Susana, mas eu "encostei-me" à oferta...

      devo dizer-te (talvez já não te lembres, por causa da vodka), mas na noite do ataque, o teu cabelo estava esplendoroso, erguido em todas as direcções do universo. foi ele que nos guiou o ataque :))))

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    2. Confirmo. O cabelo da Palmier estava esplendoroso. Esse um facto a reter!

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    3. Isto é como na política Palmier, quanto mais confusa a história, maior a probabilidade de ganharem todos!

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  5. (ana, por amor de deus, nós não comemos a MuMu! a MuMu é sagrada, e a Mafia Pirata sabe disso. têm a vaca escondida e devem ter-nos servido sola de sapato da colecção passada. daquela gente, espera-se tudo).



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    1. Querida Flor, sempre a querer reescrever a história... Tss tss
      Sagrados eram os escalopes que comemos no brunch.

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    2. brunch? qual brunch? eu só alinho em refeições tradicionais... brunchs é para meninas...

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  6. Máfia de Leste!!!!! ahahahahah

    Refere-se ao seu amigo Cigano, primo de Príncipe romeno deposto, excelentíssima Capitã?!

    Andrihmirhhir (bolas, como é que se escreve este nome, raios?!) foi ludibriado, a besta feita em bifes não era doce mu-mu, que ainda antes da elegante invasão perpetrada por nós, guerreiras invencíveis, já estava a salvo (e rumina agora a erva fresquinha dos montes lusos)!!!

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    1. bem... Susana, também não vamos fazer disto o País das Maravilhas, eu sei que a Susana é a optimista do grupo, mas chamar à sua varanda, montes lusos... já se fosse na minha... pois...

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    2. ah-ah-ah! e eu vou chamar os VERDES, toma, toma :b

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    3. Susana, a principal característica desse cozinheiro viking é que nunca o seu nome foi duas vezes escrito de maneira igual :)
      Gostava era de saber como é que vocês estão aprisionadas neste navio e a vaca morta rumina numa varanda onde come - certamente plantada em canteiros - erva lusa!

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    4. Ai é assim??! Querem guerra é? Nesse caso vou chamar o Pipoco Mais Salgado! Pipocoooooooooooo!!!!

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    5. ahahahahhahahahahahah!

      então chama, chama lá, ele é Verde e há-de pelejar por nós!

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    6. A postos!

      (alguém me providencia um resumo?...)

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    7. é simples, caro Pipoco, resumindo, o Pipoco está pelas amazonas que pelejaram bravamente para recuperar o que era seu por direito (imagine-nos assim como um SCP a lutar contra a corrupção desportiva em Portugal).

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    8. Nada disso.
      Pipoca luta arduamente ao lado dos bravos piratas.

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    9. Cuca, gosto muito de si mas trata-se de escolher ficar ao lado das amazonas ou dos piratas...

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    10. O resumo isento é que um grupo rebelde decidiu meter na cabeça que a tripulação deste navio lhe roubou uma tal de vaca mu-mu. Invadiram-nos na noite de fim de ano e não há consenso sobre os contornos e resultados dessa invasão. Eu faço desde já minha a sua verdade.

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    11. Lembre-se que as amazonas não eram conhecidas por serem simpáticas para os homens.

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    12. pense em nós como as Slimanis do Oeste, caro Pipoco.

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    13. Cuca, colocou a letra errada no final do meu nome. Não sei que lhe diga.

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    14. Slimani do Oeste parece-me bastante convincente.

      (como de costume terei que fazer tudo sozinho)

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    15. Para que veja a urgência e aflição da situação em que nos encontramos...

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    16. Cuca, colocou a letra errada no final do meu nome. Não sei que lhe diga.

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    17. eu não lhe disse, Pipoco, que lutávamos contra a corrupção?...

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    18. Cuca, se segue a minha obra saberá que ouro não é coisa que me excite muito...

      (que whiskey há nos porões?)

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    19. Flor, daqui a pouco a nossa anfitriã está a ofertar-me livros do Eusébio...

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    20. (Flor, isso é uma vergonhosa tentativa de manipulação)

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    21. nem me atrevo a intervir. espero pelo momento em que a Pirata lhe oferece os vouchers para o jantar no Museu da Cerveja e os pins do clube...

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    22. E há gin? E o vinho é Barca Velha. De que ano?

      (só perguntas simples e ainda assim...)

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    23. Duas palavras para si: Corto Maltese.

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    24. Este blog duplica-me os comentários. Mau sinal.

      Flor, apreciei deveras a sua integridade. Essas amazonas têm fatos saia-casaco, óculos de massa preta e cabelo em rabo de cavalo, certo?

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    25. Todos sabemos que a sua alma é Pirata. Até por uma carica combateria ao nosso lado.

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    26. Corto Maltese não se dava excelentemente com piratas...

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    27. Confio na justiça do seu discernimento. Quero um relato e aceito o resultado como a verdade dos factos.

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    28. (bem, vou escrever a minha visão desta intrincada situação. preciso de dois minutos...)

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    29. lamento, Pipoco. estas eram mulheres sem problemas de visão, com cabelos maravilhosos, soltos, para acompanhar o galope. trajavam a rigor para a montaria, onde as saias não combinam lá grande coisa.

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  7. Estimada Pirata,

    peço-lhe encarecidamente que me escreva noutra altura, uma em que não esteja sob o efeito avassalador das substâncias psicotrópicas, estupefacientes e whisky de fraca qualidade. é lastimoso o estado em que deixam a memória. os seus delírios são de tal ordem fantasiosos, que lhe pergunto com franqueza qual o estado do seu hipocampo.

    ambas sabemos o que aconteceu naquela noite. quando a MuMu voltar às capas das Revistas internacionais, veremos como descalça a sua bota.

    Até que o Destino nos volte a colocar, frente a frente, de sabre na mão!

    iiiiiiááááá

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    1. Caríssima Flor,
      Vejo que o breu do porão onde V. Exa foi gentilmente acolhida contra a sua vontade, não sendo suficiente para a impedir de me dirigir missivas já o é para lhe afetar o discernimento. A amiga faça o favor de pensar comigo: se não está presa no porão deste navio, como é o meu bilhete acaba de lhe ser entregue por um papagaio?
      De V. Exa, com votos de boa tarde de chuva.
      P.s. Esse grito de guerra parece o zurro de um asno (iiiiii-nhóóó)

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    2. Pois muito se engana, V. EX.ª, não é o zurro de um asno, mas antes o rugir de bravas leoas.
      Presa no seu porão? Por céus, cara Pirata, pare já com o rum, dê ao seu fígado uma oportunidade de sobrevivência e às suas palavras alguma credibilidade.

      Em breve, toda a verdade se saberá.

      Com votos de um santo domingo.

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  8. É só para avisar que estou trancada na cozinha e ainda não via vaca alguma. Mas tenho três cestos enormes cheios de compotas, se for preciso pagar resgate pela bicha.

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    1. Uma vez que também nos roubaram o cozinheiro, podes aproveitar o facto de estares trancada na cozinha e resolver o problema do jantar...
      (Que jeito nos teria dado a tua colher de pau)

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