quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Dor nos dedos

Quantas vezes choras a ouvir música e quantas vezes a ler um livro? A literatura não é eficaz nessa coisa: se é para sofrer a literatura é inútil. A música é rápida como a pancada forte é rápida na dor dos dedos.

Gonçalo M.Tavares, in àgua, cão, cavalo, cabeça

3 comentários:

  1. este professor de ginástica sempre me pareceu sobrevalorizado, Sô Dona Cuca. só concedo na rapidez.

    este verão, relendo o Levantado do Chão, chorei baba e ranho em plenas férias. by the pool. like a lord.

    “Hoje é o dia da libertação. Passaram seis meses, é Janeiro. Ainda a semana passada João Mau-Tempo andou a trabalhar na estrada de acesso com outros companheiros de sala, à chuva, e fria que ela estava, era como neve derretida, e agora está sentado a pensar que vida lhe estará destinada, já uns tantos foram a julgamento e ele não, mas houve quem lhe garantisse que era bom sinal, quando a porta se abre e aparece um guarda a chamar, com a voz arrogante do costume, João Mau-Tempo, e João Mau-Tempo põe-se em sentido como é do regulamento da cadeia, e o guarda diz, Prepare as suas coisas para abandonar a prisão, e depressa. Quanta alegria dos que ficam, como podem, é como se fossem eles os libertos, e um diz, Quanto mais depressa se despejarem as masmorras, melhor, aqui não se faz nada, é uma declaração tão lógica como dizerem, Quanto mais depressa me derem a ferramenta, mais depressa começo a trabalhar, e então é um alvoroço, parece a mãe a vestir o filho, há quem lhe calce os sapatos ou o ajude a enfiar a camisa, sacodem-lhe o casaco, querem ver que João Mau-Tempo vai ser levado à presença do papa, onde se viu uma coisa assim, isto são umas crianças, não tarda nada que se ponham todos a chorar, eles não, mas João Mau-Tempo não vai tardar quando lhe perguntarem, Então, Mau-Tempo, tu não tens dinheiro para voltar à tua terra, e ele responderá, Camaradas, tenho pouco, mas cá me hei-de arranjar, e eles começarem a reunir o dinheiro, um cinco escudos, outro dez, e entre todos se vai arranjar que chegue para a viagem e ainda sobrará, e então sim, ao ver como o dinheiro pobre pode ser amor grande, João Mau-Tempo não segurará as lágrimas e dirá, Obrigado, camaradas, e adeus, muito boa sorte para todos, e também obrigado por tudo quanto fizeram por mim. De cada vez que um sai, é esta festa, são as alegrias da prisão.”

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    1. Partilho da sua desconfiança. Mas este trecho dava-me jeito para acompanhar a música.

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    2. Ah, e lerei o levantado do chão. Se não houver ranho prometo voltar aqui para o insultar.

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