a
trapezista
Começou a
subir aos telhados.
Começou a
resolver neles muito tempo.
[Primeiro, os
dedos na janela mais acima.
Depois, era o
cabelo que subia.
Um pulso a
içar a alma para outra cidade.]
Daqui vê-se
tudo.
Os gatos
deitam-se e lambem-me os pés.
Os pés sobem
molhados pela chuva.
Os homens
congeminam negócios estendidos nas mulheres.
As crianças
gritam dentro das casas quando os sonhos
lhes arrancam
pedaços das costas.
Os homens
caminham com quadros pendurados nos joelhos
As pessoas
escrevem artigos nas revistas
sobre o que
seria o mundo se alguém do outro lado as ouvisse
E é então que
eu saio
e sobre os
ombros das árvores disponho a economia
cravando-lhe
os dentes ou
roçando
apenas o meu sexo
no
trapézio
Inclino-me
sobre a sua demência particular
neste dia
emparedado entre sucessos e crisântemos
e
as crises
e ouço as
ruas onde lá em baixo uma pessoa
ajeita um
pouco melhor os ossos
Aquela mulher
fabricou uma cozinha resistente a tudo
atravessou os
séculos assoberbada de electrodomésticos
inexpugnáveis
– ao fim-de-semana envolvia-os em celofane e espanava
um pouco
melhor os filhos
Mais à frente
o parque onde as estratégias se apresentam -
o presidente
à frente, seguido pelo hidrogénio ou o hélio
- conforme a posição do sol
no buço da democracia –
e o écran
reflectindo o écran e a
maresia.
Aqui no alto
rodo os pés e alongo mais os braços.
Nos primeiros
meses estendia-me com o corpo para baixo e deixava
o sangue
inundar a cabeça. Via manchas vermelhas da
menstruação
por entre os amigos que prometia esquecer.
Eles
traziam-me os seus corpos nus e eu aquecia as suas unhas
cravadas pelo
vidro.
Dizem: se os
videntes permanecem firmes perante pequenos tiranos
podem chegar
a suportar a presença do incognoscível.
Todo o
conhecimento é o resultado de uma deslocação.
Se é verdade
que todos os caminhos são iguais?
Sim. Pois não
te conduzem a lugar nenhum.
Se quiseres
fazer como o feiticeiro índio da tribo iaqui,
perguntarás:
e esse caminho tem coração?
Perdi a minha
agenda de fenómenos electromagnéticos.
Não sei por
isso de que lado esperar
este súbito
irromper
da
melancolia.
Rui Costa