domingo, 2 de março de 2025

Missa

Encantada pelo chamamento dos sinos desta minha nova terra, que tocam com inusitada alegria aos domingos de manhã, criei o hábito de ir à missa. Pirata assassina pragmática cética, é bom de ver que não me aconteceu nada tão radical como, sequer, passar a admitir a possibilidade da existência de um Deus. 
O que sucede é que para obter boa comida foi necessário aplacar a desconfiança destas gentes e, por comparação com a tasca dos bebados ou a atividade coletiva de remendar redes, a missa de domingo pareceu-me um ato social muito interessante.
Chego sempre cinco minutos adiantada, quando a primeira fila já foi ocupada pelas viúvas dos pescadores e a segunda apresenta uma composição mista de comerciantes e coscuvilheiras locais, nalguns casos, em acumulação de funções.
A terceira e última fila - que a diocese só se dispôs a salvar uma média de vinte almas - é apenas minha e de um ou outro caravanista espanhol que, ao engano ou impedido de fugir pelo nevoeiro, passou o fim de semana junto às dunas.
O Padre Flávio é um miúdo com pouco mais de trinta anos tão inusitadamente alegre como os sinos do chamamento. Todos os domingos, antes de abalar no seu citroen cheio de cenas tunning, fala a esta gente sobre resiliência, redenção e revisitação dos pecados. E promete que “a angústia de ter perdido não supera a alegria de ter um dia possuído”.
O Padre Flávio pode ter lido Santo Agostinho, mas não sabe que as viúvas dos pescadores já intuem mais sobre resiliência do que todos os santos retratados nas esculturas bolorentas pregadas junto ao altar.
Termina sempre a missa com os avisos do IPMA, invariavelmente aquém da fustigação que a natureza nos dedica e com esse impagável serviço público que consiste em dizer-nos a hora do preia-mar. 
À saída, evito o olhar de contagiosa nostalgia das viúvas dos pescadores, ensaio um aceno digno ao Padre Flávio e sorrio aos peixeiros, ao talhante e à mulher das frutas. Sabem que não sou um deles, mas não é ainda esta semana que vão deixar de me abastecer a despensa. 

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