quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
Dia 30 do mês de Dezembro do Ano da Peste
segunda-feira, 28 de dezembro de 2020
Kierkegaard, o cão Pirata
sábado, 26 de dezembro de 2020
Tango caliente
2020
quarta-feira, 18 de novembro de 2020
Noite
Às vezes o peso da noite acorda-me no estremecimento de não saber onde tenho a espada. Entreguei-a há tanto tempo que devo ter esquecido onde a guardaram. Todos os armistícios têm o preço do desarmamento. E acordada não me queixo. Paguei pelo amor infinitamente menos do que vale. Pagaria, a cada dia, cem vezes mais.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Nós
Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.
A voz do rouxinol da Dinamarca.
A escrupulosa linha do calígrafo.
O rosto do suicida visto ao espelho.
O ás do batoteiro. O ávido ouro.
As formas de uma nuvem no deserto.
Cada arabesco do caleidoscópio.
Cada remorso e também cada lágrima.
Foram precisas todas essas coisas
Para que um dia as nossas mãos se unissem.
In Jorge Luis Borges, As Causas
Trad.: Fernando Pinto do Amaral
sábado, 17 de outubro de 2020
Enquanto houver dálias ao sábado...
Dizem-me que no mundo, na europa, no país, em Lisboa, na minha freguesia, há ameaças, vírus e políticos, internamentos, doentes, mortos, aplicações e máscaras. Não sei nada sobre essas coisas.
Ontem, a maré foi das grandes e o rio ia cheio e espelhado pela falta do vento. Hoje amanheci entre o sol e os braços do meu amor. Comprei dálias no mercado biológico aqui ao lado e demorei-me, ao som do jazz, a dispô-las na jarra.
Se escolheres bem e tiveres muita sorte e tiveres vivido muito tempo dentro de um poema, pensei, talvez a tua vida, toda a tua vida, possa ela própria transformar-se num conjunto de estrofes harmonizado por um sentimento.
Agora, o meu amor toca guitarra aqui ao meu lado e, de alguma forma, eu sei:
Enquanto houver dálias ao sábado, tudo estará bem.
quarta-feira, 17 de junho de 2020
Do flexiban
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Balada do Mar Salgado
Perdi a primavera na minha cidade. Não vou falar dos jaracandás. Toda a gente fala nos jaracandás e até esse tempo já passou. Vou falar no frio das manhãs de primavera. Nunca passo tanto frio como naqueles dias em que decido que estará calor à tarde. Acontece todos os dias entre março e junho. Fez-me falta o frio das manhãs de primavera. É um frio que nos insulta, que nos coloca no nosso insignificante lugar, que nos emagrece. É o segundo ano que perco esse frio. O outro ano em que também o perdi foi um ano memoravelmente mau.
Cá em casa estamos bem, obrigada. Quando alguém tosse perguntamos com um ar descomprometido mas interessado “– covid?”. Até agora as respostas têm sido sinceramente negativas.
Passámos três maravilhosos meses de quarenta, isolados mas felizes, entre o ócio isento de culpa e a comodidade dos relógios de sol avariados. Lemos. Cozinhámos. Tocámos a duas mãos uma pauta inteira. Banimos o pouco que ainda havia de televisão. Por pudor, fingi lamentar-me o mais que pude.
Agora já não deixamos os sapatos fora de casa. Não desinfetamos as mãos sempre que passamos por alguém e não passeamos o cão vinte vezes por dia. Não podendo manter a quarentena, esquecemo-nos completamente do pretexto e acumulamos máscaras cirúrgicas pelos cantos da casa sem sequer saber a quem pertencem.
Não voltei, ainda, a cruzar o mar.
Mas o mar, que é meu elemento, corre-me nas veias e, ocasionalmente, no rosto. Está em mim mesmo quando o meu único horizonte é a terra e as árvores de que são feitos os braços com que me embala o meu capitão.
Talvez talvez talvez, só, até nem precise de voltar.
quinta-feira, 4 de junho de 2020
quarta-feira, 3 de junho de 2020
Trade off
quarta-feira, 8 de abril de 2020
Na atividade da limpeza assim como na passividade da confidência
Lucia Berlim, Manual para mulheres de limpeza, Alfaguara
domingo, 5 de abril de 2020
Diagnósticos
Phillip Roth, Teatro de Sabath, Publicações Dom Quixote
sexta-feira, 3 de abril de 2020
Éramos felizes, mas ao menos sabíamos.
segunda-feira, 23 de março de 2020
terça-feira, 17 de março de 2020
Boletim das 23 horas
Li um terço do último Rushdie; vi uma comédia francesa sobre normandos nus e assei umas douradas no forno.
Enquanto o capitão Strut toca na guitarra o Spanish Romance e o cão dorme nos meus joelhos penso que amanhã vou ler um terço do último Rushdie; ver um filme italiano sobre Sicilianos e fritar filetes de peixe espada.
Não toques nos objetos imediatos
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer
a boca fica em chaga.”
segunda-feira, 16 de março de 2020
Sindérese
In, A Casa Golden, Salman Rushdie
Movimento um post por dia até ao fim do Corona
A troca foi justa. A terra recebeu-me com complacência e o amor tornou-a habitável.
Porém, ocorre-me agora, é da terra e não do mar que vêm os virus que nos prendem.
http://pipocomaissalgado.blogspot.com/2020/03/movimento-um-post-por-dia-ate-ao-fim-do.html?m=1