terça-feira, 12 de junho de 2018

Processo de evaporação

Como no verso de Al Berto, “evapora-se o coração do amigo morto”.
Antes não compreendia por que razão não deixavam os vivos os mortos em paz.
Agora sei que não os largamos por ser a última forma de cuidado ao nosso acesso. Por temermos que se os largarmos caiam numa eternidade de olvido. Temos os mortos presos com molas da roupa, a secar nos estendais da memória e se os espanamos, e se não os deixamos cair, é por não os querermos por aí ao “Deus dará”, tristes panos enrolados numa esquina da rua. E quando se lhes evapora o coração assustamo-nos, porque sabemos, sabemos apesar de tudo, que é o nosso o único coração que ainda pode desidratar.

2 comentários:

  1. mas o esquecimento é inevitável... 50 anos depois de morrer ninguém se vai lembrar de mim :) até porque o conceito de família é capaz de deixar de existir como o conhecemos agora, e no futuro o importante é o conhecimento do que nos rodeia e nã sobre a nossa origem... no entanto, haverá um estranho fenómeno que não existiu até agora... milhares de fotos, gravações, bits de textos, perfis que deixamos de registo.
    (tu com um texto tão perfeito e eu a estragar com fenómenos físicos - a inveja é tramada)

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