quinta-feira, 6 de julho de 2017

Comunicações Intergaláticas

Sobreviver-te é isto:
 A Billie Holiday a espalhar o seu jazz pela sala. O sol a sumir-se devagarinho nas ondas do mar. Uma lua insonsa a erguer-se. Os pratos por lavar na cozinha. O copo meio cheio em cima da mesa. Um locutor a debitar presumíveis desgraças sem som. O cão que comprei para enganar a tua ausência a ladrar na varanda. Livros esquecidos nos sítios onde se esquecem livros. Essa espécie de sobrevida. 
Cinco anos ensinam-nos a morte. Já não me espanto todas as manhãs com a mesma notícia. Não te procuro entre as multidões. Não espero que o telefone toque por ti. Não anseio aparições em sonhos. Não me atormento com a culpa. Não imagino os restos orgânicos daquilo que foste. 
Só a realidade, aquela que só o era depois de te a contar, só a realidade, essa, é que nunca mais regressou.
Sobreviver-te é isto:
Uma interminável sequência de factos banais que não se sucedem realmente porque a tua morte os tornou inconcretizáveis.  

6 comentários:

  1. Ando aqui em modo mais passeio do que o habitual, vim agora do Pipoco, à procura de larachas, já se sabe, a quem não disse, por ocasião do último post, que há cegueiras de origem coronária (coração que não sente...). Bem aventurados aqueles que já nascem assim...

    (ao ler este texto não verti nem uma única lágrima)

    Obrigada.

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  2. Lady Day anda à solta. Não sei se é bom ou mau sinal.

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  3. *Há pessoas que amam
    com os dedos todos sobre a mesa.
    Aquecem o pão com o suor do rosto
    e quando as perdemos estão sempre
    ao nosso lado.*

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