segunda-feira, 28 de abril de 2014

E todas essas coisas foram em demasia


As consequências

Nenhuma geração e os nascentes.
Os anos e nenhum foi o último.
Caronte a transportar os vivos num veleiro
embalado por ciclones de sereias emudecidas.
As mãos que estrangulam o coração.
Redes de pesca para sempre vazias.
As viúvas nos seus vestidos de lã preta.
Gelado de limão derretido sob a manga.
Botticelli em relevo para cegos.
A lampa de Edison estilhaçada na carne.
Os fatos de riscas dos burocratas
num sofá de veludo tingido de sangue.
A criança que se vende nas ruas de Xangai.
Duas rosas que o vento derrubou a sul.
Lábios incinerados pelo sol do deserto
na miragem de um lençol egípcio às cinco da tarde.
A dança dos soldados no ritmo de Wagner.
Pianos desnudos a apodrecer sob azáleas.
Uma aranha sentada à espreita na teia tecida.
Sodoma congelada pela lava cuspida.
As gárgulas com areia entre os dentes.
A cinza do pavio de Gepeto na barriga do cetáceo.
Uma rainha diante da cabeça exibida na salva de prata
com que mandou limpar a afronta da alma
O movimento do ponteiro das horas.
O olhar do demente. E o eco da dor.
Cada gota de veneno nas veias,
Cada cilício e ainda cada silêncio.
Formaram-se todas estas coisas
Das nossas mãos brevemente unidas.

A partir do poema "As causas" de Jorge Luís Borges  ou de como deixar um escritor às voltas no túmulo.

Sem comentários:

Enviar um comentário