As cidades são os locais adequados para se esconderem os cadáveres e os fantasmas. Por trás das avenidas ficam as ruas e por entre as ruas os becos, com os seus cantos mal iluminados, esquinas e caixotes do lixo a precisarem que os esvaziem.
Os prédios altos cumprem a função de esconder o céu e os homens vivem como se ele não existisse. Aprendem a olhar para o chão, primeiro à procura dos buracos na calçada de pedra escura, depois à procura dos dejetos dos cães escanzelados e por fim à procura dos próprios pés.
Os corpos adquirem uma posição encolhida, os ombros a apontar na direção das mãos, os olhos sempre rente ao solo, onde estão mais próximos do fim, onde não correm o risco da intrusão de um rosto anónimo que os veja. Talvez com curiosidade pelas olheiras que contam estórias de corpos que se rebolam de insónia. Ou pelo fascínio mórbido daquela linha horizontal que fica na testa das pessoas tristes.
E os homens aprendem a deixar que os olhem mas a confiar que não os vejam.
As cidades estão repletas de intangibilidade. São aglomerados de coisas que sabemos que existem mas não conseguimos ver. Sabemos que há-de haver uma lua por cima dos edifícios mas já desistimos de pensar nela. E também sabemos que vivem pessoas por trás das cortinas de linho das portadas das varandas das salas iluminadas, mas já nunca rezamos por elas. Foi por isso que deus abandonou as cidades.
gente pardacenta ...vemo-los todos os dias, só que não percebemos ainda o quão invisíveis se tornaram...
ResponderEliminarComo gatos na experiência mental de Schrodinger, as pessoas atrás das cortinas podem estar vivas, ou mortas, ou ambas em simultâneo. Só o saberemos quando as cortinas se abrirem. Esse é o verdadeiro horror das cidades. Desconhecermos, desconhecermos sempre, o estado de quem as habita. Os estado dos seus paradoxos. O nosso estado, afinal.
ResponderEliminarBoa noite!
Ah pois Xilre, é mesmo isso. O nosso estado, afinal, no meio de tanto beco escuro e avenidas onde não se consegue ver a lua...
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