terça-feira, 26 de novembro de 2013

Diário de Bordo #6




Está visto que as notícias bizarras surpreendem-me sempre deitada na chaise long de design com a vista presa na linha do horizonte e a Ilíada adormecida no meu colo. Este facto é alheio à componente estatística vagamente relacionada com o número de horas por dia que passo dedicada a esta atividade.  É tudo explicado por uma questão de estilo individual. Decidi que notícia bizarra alguma me iria apanhar noutra posição que não esta. E as coisas, pelo menos neste navio, pelo menos até agora, acontecem sempre da forma como eu decido que elas devem acontecer. 
Hoje de manhã os céus anunciaram a aproximação da bizarria. Um arco íris duplo é poesia. Mas um arco-íris triplo é, ou alucinação, ou mau presságio. 
E com o problema da venda do crude resolvido, a piscina limpa, a tripulação a ensaiar coreografias para um musical, o Álvaro de Campos calado porque em coma alcoólico, Andhriminir, o cozinheiro Pirata, com os instintos sádicos aplacados por dez frangos assassinados para o jantar, o rum nos barris à temperatura certa, o papagaio de vigia no mastro, enfim, já perceberam a ideia, eu pude, finalmente, fixar os olhos na linha do horizonte, deixar a Ilíada adormecer no meu colo e concentrar-me no significado metafísico desse arco-íris triplo que desde manhã tanta perturbação me trouxe. 
Foi nessa altura que Gualtiero, o Italiano, se aproximou com uma carta suspeita. Ainda mais suspeita do que o incrível facto de continuarmos todos a receber correio em alto mar.
No mesmo instante em que as minhas mãos tocaram o envelope, purpurinas cor-de-rosa pastilha elástica colaram-se-me às unhas e percebi que estava perdida. Nem precisei abrir o envelope para ouvir aquela vozinha jocosa tinir-me no pavilhão auricular. 
Julgava-a desaparecida a esgotar reservas de diamantes da Amazónia, infiltrada numa nave a atazanar o juízo aos marcianos,  num buraco da América do Sul a engendrar uma rebelião, no inferno a fazer um barbecue com o próprio demo...
E foi então que já branca, gelada, em pânico, e ainda sem abrir o envelope, ouvi aquela gargalhada vinda do meu passado negro, seguida da seguinte mensagem:

- Estou aborrecida, soube do pequeno negócio que geres por aí e decidi que também sou Pirata. 

O envelope desfez-se, purpurinas e confetis encheram o chão do convés e eu recolhi-me debaixo da minha cama, de onde vos escrevo, sem saber exatamente o que vai acontecer, mas certa de que se aproxima uma onda maior que um tsunami.


4 comentários:

  1. Ahoy, quem vem lá?
    (devo mudar de autefite?)

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  2. Era da Merkl ou outra criatura tenebrosa do género ? Ser pirata não é para lambisgóias. Só grandes mulheres atingiram o reconhecimento e não foi garantidamente por usarem purpurinas rosa-chiclete !!! Aye! Todos por uma !

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  3. Hein?! Agora até me enganei na coreografia!

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