terça-feira, 20 de outubro de 2015

Dilema de Fausto

A BRUXA (começa a ler, declamando com grande ênfase): 
Ouve, por quem és:
Do um fazes dez
E o dois e o três 
Tal qual deixarás,
E rico serás.
Perderás o quatro!
Cinco e seis serão, 
Diz a bruxa então, 
Sete e oito, e a conta
Assim fica pronta:
E o nove é um.
E o dez é nenhum.
Está feita da bruxa a tabuada comum.

FAUSTO
Acho que a velha está a delirar.

In, Fausto, Johann W. Goethe, tradução de João Barrento, Relógio D' Água.

Rios de tinta sobre Fausto e esquecem o essencial: O verdadeiro dilema de Fausto não é entregar a alma ao diabo. Fausto é um descrente. A eternidade não o preocupa. O dilema de Fausto é que quem nada quer desesperadamente, deixa o diabo sem moeda de troca. 
Ocorre-me que essa é a mais verdadeira condição do perdido. 
E tu, ainda encontras sob o céu moeda de troca da alma?


5 comentários:

  1. Nobre sibila, basta!
    Venha o copo e bem cheio. Um homem desta casta,
    um famoso Doutor em tanta faculdade,
    pode beber sem risco e sem dificuldade.
    Mal imaginas tu que tragos de alto engodo
    ele já tem provado.


    (a trad. que possuo é de Feliciano de Castilho)

    e eu que julgava que Fausto queria desesperadamente Margarida...

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    1. A Margarida já veio depois do diabo. Era assim uma espécie de isco! :))

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  2. Ai Pirata, o que hei-de fazer consigo? Rios de tinta derramados só para contemplar o regato luzidio produzido pela escrita esta´, de facto, à altura de todas as misérias que conseguiram escrever sobre Fausto, o personagem entediado, culto mas não genial, educado mas não sensível, enfim... homem-escultura inacabado no seu processo e remediado ao invés de enaltecido. Fausto nunca poderia ser um sábio, pois um sábio acredita.

    E Fausto possui duas das características que mais facilmente corrompem, a ambição (por ser mais e saber mais) e inocência (das consequências do que ambiciona), mas o amor salva na forma de quem interceda por Fausto (alguém acredita por Fausto).

    Leia, por favor, "O pescador e a sereia" de Oscar Wilde. É muito mais explicativo da condição humana e suas tentações.

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    1. Lerei. Faço tudo o que manda o caríssimo anónimo mauzão.
      Entretanto:
      "Mefistófeles (carregando Fausto às costas):
      Quem com loucos se mete, ao fim e ao cabo,
      Só perde c'o negócio -- até o diabo!"
      Boa tardinha de chuva.

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    2. Cá caiu em cima do pelinho anónimo, a chuva.
      Até o demo sabe que o que carrega deu mais trabalho do que o que vale, ainda assim é outro que antes em trabalhos do que em tédios.

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