quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Aleivosias

Pensei, durante muito tempo, que a mais justa metáfora do amor estivesse contida na bruxa de José Saramago, a Blimunda do Memorial do Convento que, dotada do poder de ver as entranhas dos outros quando em jejum, ao acordar, para se cegar à mais pura verdade interior do seu amado Baltazar, comia uma pedaço de pão antes de olhar para ele. 
Como vai sendo hábito, estava errada. A metáfora superior é a inversa. A de Virgínia Wolf. Negar a quem se ama o acesso ao mais profundo de nós próprios, porque pior do que deixá-lo trancado no exterior é aprisoná-lo, connosco, dentro da nossa mente. 
Há muito que a perceção empírica do potencial destrutivo da verdade me fez abandonar a sua defesa incondicional.
No fundo, tudo se resume a essa outra metáfora: A do Coronel Jessup no filme "A Few Good Men".
"You can't handle the truth".

10 comentários:

  1. "Negar a quem se ama o acesso ao mais profundo de nós próprios, porque pior do que deixá-lo trancado no exterior é aprisioná-lo, connosco, dentro da nossa mente." (...já tenho em que pensar durante o fim-de-semana, obrigada)

    meanwhile,

    "you can't hide from the truth because the truth is all there is"

    https://www.youtube.com/watch?v=oMUngA6EQ5Y

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  2. "You can't handle the truth" é uma velha piada cá de casa, tão velha que já nem me lembrava de que filme a tirámos. Obrigada por me lembrares. :) E concordo contigo quanto ao tema. Não sejamos puristas da coisa!

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  3. Pirata, que grande balbúrdia p'raqui vai e não há literatura que a salve. Felizmente há um/a anónimo/a mauzão/ona.

    Verdade e honestidade não são sinónimos. Os exemplos que citou são de honestidade, cada um de sua maneira, mas honestos para consigo próprios.

    A Verdade, esse conceito terrível que baralha o mundo desde que o primeiro Homem pensou, é outra coisa sobre a qual não existe acordo ou que possa ser aplicado o mesmo conceito a um leque variado de situações ou contextos.

    De longe, a honestidade dos amores e desamores, suplanta a metodização da verdade e a falível metáfora.

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    Respostas
    1. Querido anónimo (a), nós os piratas somos pragmáticos. Para os pragmáticos só há sempre uma verdade.

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    2. Pirata, não quereria dizer que os piratas são os últimos românticos? Os detentores de verdades chamam-se cépticos, e a verdade que conhecem é sempre a mesma "ai, não pode ser" e variantes da mesmo tipo.

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    3. Li uma coisa na granta 2 que me fez lembrar esta conversa:
      Diz Rushdie que Bunuel dizia "daria a minha vida por um homem que andasse em busca da verdade, mas materia alegremente que acreditasse ter encontrado a verdade"
      Bunuel é dos seus!

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  4. " Estou envolvido nesta contradição: por um lado, creio conhecer o outro melhor do que ninguém e afirmo-lhe triunfalmente («Conheço-te bem. Só eu te conheço bem!»); e, por outro lado, sou muitas vezes assaltado por esta evidência: o outro é impenetrável, irreconhecível, intratável; não posso abri-lo, chegar à sua origem, desfazer o enigma. De onde vem? Quem é? Esgoto-me, nunca o saberei."
    Roland Barthes/ Fragmentos de um Discurso Amoroso/ O Inconhecível

    Interessante a comparação feita acima, Cuca.

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