terça-feira, 24 de março de 2015

Mas todos sabemos que apenas os poetas nunca morrem

Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Helder

10 comentários:

  1. Morrem sim. Diz que ainda hoje morreu mais um. A morte é fisiológica, Cuca, e o Herberto morreu. O Herberto já não é.

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    1. O título é uma alusão a um conto de Herberto, chamado Vida e Obra de um Poeta, que termina com a frase “É na morte de um poeta que se principia a ver que o mundo é eterno".

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  2. Tudo morre cara Cuca. Mas talvez as palavras sejam eternas.

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  3. Afinal , morrer é o quê?
    Diz-se que só estamos por aqui de passagem... há tanto quem passe indelevelmente, sem som nem sopro... muito poucos são os que marcam a passagem. Esses são os que nunca partem na realidade.

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  4. Os escritores e os músicos nunca morrem. Ficam as palavras e os sons.

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    1. Verdade, Maria. Comtinuam a emocionar-nos lá de onde quer que estejam.

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    1. Nem esses, Nuno. O que prova que uma excelente frase pode bem prescindir da verdade.

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