terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Coisa nenhuma

Sabes, aqueles dias em que o nevoeiro se instala entre o umbigo e o esôfago e é como se os teus passos na rua ecoassem as notas tristes do piano decrépito e curvas-te para a frente como quem melhor acolhe a carga densa do cinzento em ti?
Sabes, aqueles dias em que as gaivotas gritam a dor a que ensurdeceste e o céu fica apenas a centímetros da linha que delimita a tua cabeça e os olhos das pessoas na rua parecem-te terríveis?
E então revês os truques que te ensinaram nas revistas das salas de espera dos curandeiros e aqueles que aprendeste nas noites brancas e começas por imaginar a luz dourada e quente que não te chega a aquecer o peito e recordas versos de poemas lavados de história mas antes do terceiro estás a projetar imagens de uma qualquer infância que deve ter sido feliz e por fim concentras-te nos movimentos do teu corpo e dás precisas instruções aos pés para que se dirijam a casa.
E depois em casa,
Coisa nenhuma, amor.
A chávena partida,
Um lápis perdido,
O relógio parado,
A folha rasgada,
O silêncio da porta,
E até aquela teia.
Coisa nenhuma, Amor.
Sabes, aqueles dias em que a noite nasce na alvorada?

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