domingo, 15 de dezembro de 2013

Diário de Bordo # 7

Seria de pensar que, sendo capitã de um navio Pirata - para mais um navio Pirata rico e sofisticado, onde depois da venda do crude roubado pudemos todos regressar ao estado de prodigalidade em que gostamos de viver - tivesse, ao menos, o poder de mandar cancelar o Natal.
Atolada nessa errónea convicção, aos primeiros sinais de tráfico de bolas douradas e folhas de azevinho de aspeto duvidoso, decidi reunir a tripulação no convés para lhes comunicar que, este ano e, pelo menos nos próximos mil, o natal seria temporariamente suspenso.
Em menos de meia hora a minha tripulação organizou-se contra mim, fundou uma associação sindical e, decidida a nem sequer me dirigir a palavra, mandou Polly, o papagaio emprestado, notificar-me do aviso de greve geral e por tempo indeterminado. Até o bicho estava notoriamente zangado comigo e cumprindo com excesso de zelo a missão que lhe acometeram passou vinte minutos contados em rolex de ouro a gritar-me aos ouvidos palavras de ordem como "a luta continua, capitã Cuca para a rua" e versos da Grândola Vila Morena. 
A ameaça de greve não seria suficiente para me demover das minhas intenções, já que, não tendo nós nenhum ataque planeado para esta semana, e sendo certo que neste navio, com exceção de Andhrimnir, o cozinheiro Pirata, ninguém faz rigorosamente nada, a medida pareceu-me vagamente inócua. Aquilo que eu não consegui suportar foi a exclusão social a que me vetaram, recusando-se a sentar na minha mesa, falando mal de mim a toda a hora e na minha presença e fazendo-me sentir tão odiada que quase parecia que estava de volta aos tempos em que ainda era uma cidadã honrada com uma dessas profissões em que ser detestado por toda a gente faz parte de uma tradição milenar.
Ao segundo dia, a angústia do ostracismo, no plano emocional, e o receio de um golpe de estado, no plano racional, fizeram-me meter no bolso a urticária aos barretes vermelhos com pelo branco, anjinhos, pinheiros nórdicos, embrulhos com laços pirosos, cânticos enjoativos, luzes multicolores e subjacente estado geral de despropositada benevolência e lá os chamei outra vez ao convés para lhes comunicar a reposição do natal.
Como nem sequer apareceram tive que mandar recado pelo papagaio que passou as duas horas seguintes plantado no mastro a gritar um nada cristão"É Natal, é Natal, limpa-te ao jornal".
Logo que a notícia se espalhou, sacaram dos baús toda a espécie de tralha que andaram a traficar clandestinamente na última semana e em menos de meia hora transformaram este navio numa odiosa Vila Natal. Ainda tentei fazê-los entender que as luzes de arraial com que forraram o navio inteiro não são apropriadas à discrição que se exige a foragidos da justiça. Não quiseram saber e, como forma de retaliação, depuseram as pernas de pau, ganchos, tapa-olhos e lenços e agora passeiam-se por aí mascarados de duende, rena, pai-natal e - presumo eu, depois de ter visto Gualtiero, o Italiano a tomar o pequeno almoço em pelota - menino jesus.
Num esforço de reconciliação que, ao mesmo tempo, me garante que terei do natal a única coisa que lhe tolero, decidi gastar parte do nosso pecúlio na contratação de uma companhia de ballet russo para que aqui venha encenar o Quebra Nozes.
Os americanos dizem que ninguém escapa à morte e aos impostos. Estão evidentemente enganados. Aquilo a quem ninguém escapa é ao Natal.







3 comentários:

  1. Substituam-se os cânticos com edulcorantes e o Michael Bubblé, ao menos, por Pergolesi, evite-se a volta pelo Marquês (quem é que achou que Natal e Pombal rimavam?), mantenha-se o Quebra Nozes e talvez, apenas talvez, exista esperança na Quadra. Quadras, por quadras, prefiro as pessoanas. Mas, como também diziam os avôs Stones, nem sempre conseguimos ficar satisfeitos. Nem sempre.

    Boa tarde, Cuca.

    ResponderEliminar
  2. Xilre, o vídeo que se segue é para si. Talvez se decida a a escolher a vida da Pirataria a tempo de vir passar o Natal aqui.

    http://www.youtube.com/watch?v=V4nhkW1WtBE

    ResponderEliminar
  3. Não ´grave. O Natal é o epítome do comércio, Os piratas querem diversão e ciganices. transforma-se o navio numa feira marítima e ficamos todos felizes.Quem não gostar, tem a opção bem menos agradável do Quebra Nozes, dançado em pontas....

    ResponderEliminar