quarta-feira, 26 de setembro de 2012

(de) Composições



Deixaram sair os últimos clientes, varreram o chão, fecharam as portas e tu ficaste sozinho, sentado na sala mal iluminada, a brincar com as teclas do piano. Havia, provavelmente, um copo com Bushmills ao lado de um maço de Marlboro. Havia, com toda a certeza, um telefone a transmitir esse instante em que compuseste a música mais triste que já ouvi na vida. 
Quando o som atravessou a longa distância e a tristeza encheu de sombras o azul do meu falso mundo, tu já tinhas saído do bar. Fiquei durante muito tempo a imaginar-te na penumbra ensombrada pelo fumo do tabaco, a voltares as costas ao piano, a caminhares até à porta dessa maneira lenta, grave e séria como caminhas sempre. E a olhares uma última vez para o céu. À procura das estrelas antes de entrares no carro e partires para uma outra espécie de noite. Ainda mais escura. 
Ouço todos os dias a música que compuseste nessa madrugada. E todos os dias te vejo fazer o mesmo percurso. Lento e grave e sério. E é sempre noite. E tenho a certeza que não havia uma única estrela naquele céu. 
Disseste que terias de morrer para poderes continuar a viver a tua vida. 
Mas só muito tempo depois percebi que não era uma simples figura de estilo. 
A música que criaste nessa noite, a que também é minha todas as noites, é a composição sonora da morte em vida. 

4 comentários: