sábado, 8 de setembro de 2012

manhã de sábado na minha rua

As cadeiras da esplanada onde gastámos horas a alimentar pombos a migalhas de tosta mista ainda são as mesmas. E alguns dos empregados também. Agravaram o vagar nos gestos e a surdez aos apelos. Passaram-se doze anos. Havia miúdas que se sentavam sozinhas ocupadas com o telemóvel que agora se sentam com os filhos ocupadas em carrinhos de criança. Havia homens que liam o jornal indiferentes às mulheres que, sentadas ao lado, contemplavam o demasiado lento crescimento das árvores e que agora lêem o jornal indiferentes às novas mulheres que, sentadas ao lado, contemplam o demasiado lento crescimento das árvores. Uns mudaram-se para casas maiores na margem sul, libertando-se para sempre do problema do estacionamento e do chiar irritante dos elétricos. Outros morreram. Também é a mesma a cigana que me tenta vender o último modelo Prada de óculos de sol. Reconhece-me na impaciência de me livrar dela e acusa a visão do fantasma que talvez eu seja. Diz-me que às vezes se lembra de mim. Pergunto-lhe pela filha que adivinho suficientemente crescida para ter o seu próprio negócio de pedinchice. Responde-me sobre quatro outros filhos. Conta-me que o marido foi condenado e preso por tráfico de droga. Inocente, como não poderia deixar de ser. Diz que soube que o senhor doutor morreu num acidente com um avião. Um desperdício de homem. Rezou muito por ele. Hesito em denunciá-lo vivo no outro extremo da cidade. Sei que lhe fazem falta as rezas dela. Recuso-lhe a mão para que me invente uma sina melhorada. Compro-lhe um lenço que esqueço na mesa da esplanada e atravesso a rua em direção à casa que voltou a ser minha. Passaram-se doze anos. Diz-me o espelho grande do hall de entrada. Passaram-se duzentos. Responde-lhe o fantasma.

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