domingo, 29 de julho de 2012

este blogue precisa de férias

olhando para ti, ninguém diria

Ensinam-nos a olhar sempre em frente e de uma forma segura. A escolher gestos lentos e decididos. A dobrar as pernas da forma certa ao sentar. A controlar os movimentos das mãos. A falar sempre no mesmo tom. Tudo sem nunca esquecer as costas direitas e a necessidade de evitar a transparência na expressão.

Aprendemos estas coisas com relativa facilidade e depois deixamos de pensar nelas.

Não nos ensinam nada sobre a intranquilidade do espírito. A incapacidade de dominar o pensamento que se fixa constantemente no mesmo assunto e se recusa a mover-se por mais que lhe ordenemos que o faça. O desfasamento interior. A permanente sensação de não estar a ocupar o espaço. De pairar sobre as coisas. Não nos ensinam nada sobre o domínio da angústia. E impossibilitada de sair para o exterior pelas boas maneiras da inexpressividade do corpo, a angústia fica aqui dentro. A consumir-nos. A roer-nos como um rato inoportuno. Até não restar mais do que um lindo e elegante invólucro vazio.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

na saída da décima quinta casa

No dia em que deixo a minha décima quinta casa e com toda a minha existência material já devidamente dividida entre caixas e sacos espalhados pelo chão de madeira, sento-me para assinar o livro de visitas. Escrevo uma citação local sobre um certo tipo de barro que molda as nossas almas. Na subtileza das coisas que o decoro manda esconder e o "core" pede que se gritem, parece-me a frase mais honesta que já escrevi na vida.

Sobre a décima sexta casa ainda só sei que será ocupada por essa alma nova, a que foi moldada por um certo tipo de barro, aquela que finalmente consigo sentir como minha.

Depois acendo uma vela que foi roubada na igreja de St. Marienkirche, em Berlim, e que razões misteriosas me fizeram carregar comigo, em setembro passado. Esqueço-me da minha condição de ateia para agradecer a alguém.

Agradecer o amor.

domingo, 22 de julho de 2012

nem sequer fui eu quem comprou o bilhete

Na montanha russa das emoções o que nos desespera às nove e meia da manhã é o que nos espera às dez e meia da manhã.
E só pensa que dos zero aos cem em sessenta minutos é slow motion quem não sofre de arritmias.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Diálogos com Deus

(Cuca entra na cozinha com uma rede de apanhar borboletas e encontra Deus sentado num banco com os cotovelos em cima da mesa)

– olha, olha…quem se veio prostrar aqui na minha cozinha sem ser convidado. Finalmente vieste para me levar para junto daqueles que me amaram?

– deves pensar que sou algum escort boy, tu.

- é! Tive uma catequese confusa. Eu. Se não vens para me levar, desaparece. Quero almoçar em paz. Não gosto de partilhar a mesa quando me sinto infeliz.

- és tão drama queen… e quem são esses que presumes que te amaram? A criança e o poeta? Dois doidos…

- a tua falta de ética conhece novos limites com essa coisa de agora dizeres mal dos mortos. Vai-te, criatura irritante. Caaaasa!

- minha filha, eis o triplo aguilhão da consciência, a víbora que morde o próprio âmago do coração dos desgraçados no inferno, de tal modo que, cheios de fúria infernal, eles se amaldiçoam pela sua estultícia e amaldiçoam os companheiros perversos que os fizeram caira nesta desgraça e amaldiçoam os demónios que os tentaram em vida e agora troçam deles e os torturam na eternidade, e chegam até a insultar e amaldiçoar o Ente Supremo cuja bondade e paciência desprezaram e desconsideraram, mas a cuja justiça e poder não se conseguem furtar…

- ahh… vigarista! Tu não tens limites nas tuas manhas e aldrabices! Isso é uma citação de Joyce no Retrato do Artista quando Jovem, Edição Relógio D’ agua, página 131! Achavas que eu não iria perceber o logro? Pensas que sou alguma ignorante?

(Deus encolhe os ombros)

- pensei que ficasses mais sensível com argumentos literários…

(Cuca vira as costas a Deus para tentar caçar uma mariposa que passa por ali)

- vermes com asas coloridas!

- vim por achar que esta manhã precisavas de mim.

- pois enganaste-te. Até na omnisciência te sobrevalorizam. Que desgraça de fraude.

- podes sentar-te no meu colo que eu não conto a ninguém.

- és fraca consolação para o colo de onde insistes em arrancar-me e que é único onde posso descansar a alma. Devolve-mo ou desaparece.

- Cuca, já te explicámos tudo sobre o capítulo das provações. O amor dos homens requer tempo e espaço.

- cala-te com essa ladainha incompreensível, para mais em plural majestático, e põe-te a andar imediatamente. De caminho, deixa a porta aberta para ver se as vis borboletas saem todas daqui de dentro.

(Deus levanta-se com ar desconsolado e aproxima-se da porta)

- já. Sai daqui. (e depois para as borboletas) vocês também, ouviram? Vermes com asas coloridas. Vermes com asas coloridas. Vermos com asas coloridas.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

what now?

Eros, a criança assassina, oferece-nos um lugar no trapézio.
Depois balança-nos na direção das estrelas.
O trapézio, é óbvio, não terá rede.

A trapezista

Começou a subir aos telhados.

Começou a resolver neles muito tempo.


[Primeiro, os dedos na janela mais acima.

Depois, era o cabelo que subia.

Um pulso a içar a alma para outra cidade.]


Daqui vê-se tudo.


O meu corpo só de ar!______

(Não. O corpo entre o corpo e o medo)


Pla janela a macaca ruiva

Os gatos deitam-se e lambem-me os pés.


Os pés sobem molhados pela chuva.

Os homens congeminam negócios estendidos nas mulheres.


As crianças gritam dentro das casas quando os sonhos

lhes arrancam pedaços das costas.


Os homens caminham com quadros pendurados nos joelhos

As pessoas escrevem artigos nas revistas

sobre o que seria o mundo se alguém do outro lado as ouvisse


E é então que eu saio

e sobre os ombros das árvores disponho a economia

cravando-lhe os dentes ou

roçando apenas o meu sexo

no trapézio


Inclino-me sobre a sua demência particular

neste dia emparedado entre sucessos e crisântemos

e as crises

e ouço as ruas onde lá em baixo uma pessoa

ajeita um pouco melhor os ossos


Aquela mulher fabricou uma cozinha resistente a tudo

atravessou os séculos assoberbada de electrodomésticos

inexpugnáveis – ao fim-de-semana envolvia-os em celofane e espanava

um pouco melhor os filhos


Mais à frente o parque onde as estratégias se apresentam -

o presidente à frente, seguido pelo hidrogénio ou o hélio

- conforme a posição do sol no buço da democracia –

e o écran reflectindo o écran e a

maresia.


Aqui no alto rodo os pés e alongo mais os braços.

Nos primeiros meses estendia-me com o corpo para baixo e deixava

o sangue inundar a cabeça. Via manchas vermelhas da

menstruação por entre os amigos que prometia esquecer.

Eles traziam-me os seus corpos nus e eu aquecia as suas unhas

cravadas pelo vidro.


Dizem: se os videntes permanecem firmes perante pequenos tiranos

podem chegar a suportar a presença do incognoscível.

Todo o conhecimento é o resultado de uma deslocação.

Se é verdade que todos os caminhos são iguais?

Sim. Pois não te conduzem a lugar nenhum.

Se quiseres fazer como o feiticeiro índio da tribo iaqui,

perguntarás: e esse caminho tem coração?


Perdi a minha agenda de fenómenos electromagnéticos.

Não sei por isso de que lado esperar

este súbito irromper

da melancolia.


in Rui Costa

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nihilismo de quinta dimensão

Não estou em lugar nenhum.

O poder de Blimunda

Quando se nasceu dotado de ecovisao, com vista privilegiada para dentro de a alma de alguém, o mais nobre gesto de amor que se pode fazer consiste na permanente recusa da utilização dos poderes extraordinários para devassa da alma do ser amado. Por este motivo, todas as manhas, Blimunda neutralizava os seus poderes, ingerindo o pedaço de pão que lhe punha fim ao jejum e a impedia de fiscalizar as vísceras do seu amor. Só depois olhava para ele.
A neutralização do poder de Blimunda era o grande poder de Baltazar.
Para não ver tudo, Blimunda confiou o suficiente para abdicar de ver o que quer fosse.

Claro que, mais uma vez, eram outros os tempos.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Tchaikovsky concordaria comigo...



Hino fúnebre a Romeo e Julieta, esses cobardes...

Romeu e Julieta, esses cobardes...

O pós modernismo datou Romeu e Julieta.

A sorte desses dois foi terem "nascido" na última década de 1500.

Nos dias de hoje, em vez de ser o representante por excelência de todos os amores proibidos, e celerado enquanto tal, o mítico par dificilmente passaria da perfeita representação da cobardia social.

Na era das infinitas possibilidades, o conceito de amor impossível reduz-se à incompetência pessoal dos amantes impossibilitados.

Ineficiência cobarde que já não comove ninguém.

domingo, 15 de julho de 2012

paradoxos insuportáveis

São aqueles que cuidamos incapazes de fazer felizes os que com maior probabilidade tornaremos infelizes.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

A última rave...



Organizaram-me uma festa de despedida no mundo que fica para lá do buraco da toca do coelho.
A pirotecnia, que por estes lados está sempre dependente da vontade do São Pedro, chegou mais ou menos à hora marcada.
Quando cheguei eles já dançavam todos ao som de uma música que fala de piratas e de medos que parece que vêm do chão. Talvez por não ser daqui, não sei nada sobre isso. Os meus medos vêm todos de dentro de mim própria.
Demasiado alcoolizada para conseguir dançar em condições aquela dança de marinheiro, convenci-me que viajava num convés de um navio a atravessar vagas gigantescas.
O chapeleiro louco encarregou-se de me fornecer shots de uma beberragem de antiga criação piratística e de tal forma forte que me deixou um ardor no peito que temo que se vá manter por demasiado tempo. Mas também pode ser só uma úlcera.
Um caranguejo aproximou-se e perguntou-me se não lamentava não possuir essa mágica faculdade de andar para trás. Mas logo apareceu uma vaca sagrada que lhe explicou que fora do wonderland andar para trás é assumido como uma limitação e não uma faculdade. 
As baleias que me propus caçar quando vim para esta terra apareceram no final da música para me mostrar a língua e cuspir um repuxo malcriado que me molhou a cara e estragou a maquilhagem. Mas também posso ter chorado.
Lembrei-me que não cheguei a ler a Mobby Dick. Era o meu principal projecto pessoal quando, em Setembro, aterrei nesta ilha. Te-lo-ia lido inteirinho se não tivesse dado com a entrada do wonderland e passado os meus tempos disponíveis entre as câmaras do mundo mágico, disfarçada de Alice, a brincar com as forças subversivas do reino que planeiam destituir a rainha de copas. Que por acaso também sou eu.
Acabei a noite a contar estrelas e a dissecar constelações, com a cabeça deitada no colo do chapeleiro louco. Apercebi-me, pela primeira vez, que a mística das criaturas do wonderland reside no facto de serem, eles próprios, prisioneiros do seu mundo. A eles, o óleo de baleia, azul, não lhes serve de password para o mundo dos homens.
Esse que é feio. Horrível. Medonho. Aquele ao qual pertenço. Aquele ao qual tenho que voltar.
Aquele ao qual, na verdade, diz-me o meu coração tolhido, já voltei. 

Anymore 2

Sem mãos para agarrar o sol que ontem se pôs sozinho...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

...

Todos sabíamos que nunca te deixariam levá-lo contigo...

Partidas


Partir é diferente de ir embora. Dos sítios onde pertencemos partimos, de todos os outros vamos embora. Ir embora é um regresso. Partir é uma despedida. Ambos pressupõem um destino. Mas o destino, quando se parte, fica-nos pelas costas.
Perguntam-me quando me vou embora. Respondo que parto dentro de uma semana.  

E foi assim...


Talvez ainda nem fossem nove horas. O céu era daquele estranho e raro azul perfeito. O dia já nasceu de sol. O vento dormia e no mar em frente da minha janela adivinhava-se o deslizar tranquilo de um barco.
Foi então que pela porta aberta entrou um pássaro que cruzou a cozinha e veio morrer de encontro aos meus pés descalços.
E eu soube, daquela maneira que se sempre se sabem as coisas, que naquele instante, longe dos meus olhos, decidia-se um destino.
Um destino de não vida.