quinta-feira, 18 de março de 2010

O Poema que o Poeta não escreveu para mim



Nem sempre se deve desconfiar das pessoas

graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,

os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão

depois.

Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo

dos pés e por isso do outro lado do mundo.

O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés e

mais longe ainda das mãos

que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos

se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.

Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias

quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas

pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo

que foram ou das pessoas que amaram.

Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no

chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, destas pessoas, é, por

isso, uma subtil forma de cuidado.

Rui Costa, in "A Nuvem Prateada das Pessoas Graves"

3 comentários:

  1. Se este poema usasse roupa, vestia uma T-shirt preta com letras brancas a dizer o seguinte: "Eu sobrevivi a um trabalho de post edição da Estrelita"!

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  2. Andei a rir de ti mas apesar dos meus melhores cuidados eu própria o tinha editado mal.
    Espero que ninguem tenha visto a linda coisa que andámos a fazer ao poema do Rui.

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