sábado, 14 de maio de 2016

Respiração reversa

Estou há muitas horas, imóvel, sentada nesta cadeira. Foi aqui que esperei a manhã. A madrugada, atravessei-a no mais denso dos silêncios e o frio exterior foi um raro momento de coerência equilibrada com essa outra forma de frio, que nasce por dentro. Quando ambas as temperaturas coincidem, o coração ganha uma amenidade que, apesar de falsificada, quase nos faz voltar a sentir humanos. 
Enquanto o dia rompia, nos seus tons violeta degradé, ocorreu-me que o degelo do coração não é um processo menos violento e arriscado do que o que envolve a sua congelação. Talvez seja ainda mais arriscado. Até os mais leigos em matéria de culinária, entre os quais me incluo, sabem que não há organismo que, depois de descongelado, possa voltar a congelar-se sem grave perda das suas propriedades essenciais.
Vou ficar à espera da noite, sentada nesta mesma cadeira, de onde vi formar-se a manhã. 
Amanhã, sei-o, acordarei com um coração novo, fresco, pronto a consumir. Um coração de utilização única, integral. Daqueles que já não se podem reservar para mais tarde. Daqueles que, de ora em diante, não mais poderão deixar de bater.


6 comentários:

  1. Se bem percebi reverse sneezing é a respiração depois do coração ter descongelado... parece-me um pouco ruidosa, não? Afianço que a melhor descongelação é a lenta, "degradé como os tons violeta do nascer do sol"... porque se entretanto houver arrependimento faz-se uma ultracongelação, e não pensar mais nisso.

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    1. Ruidosa e assustadora.
      :)
      Se descongelar o coração devagar posso voltar a congelá-lo? Isso são excelentes notícias! Estou salva!

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  2. O coração não se quer congelado. Em chama é que é. :)

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  3. esses novos são muito melhores, mais fiáveis, nã consomem nem metade...

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