segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Comunicações intergalácticas

Entretanto, a terra girou e girou e girou. Deste posto de observação, nuvenzinha de tédio onde armei a cama, vi-a dar voltas como se não fosse nada comigo. Às vezes sinto-a como uma pequena esfera, tão longínqua e insignificante como o berlinde colorido com que as crianças brincavam nos tempos em que havia crianças. Como se demasiado pequena para que pudéssemos todos caber nela. É por isso, acho, que me transladei para esta nuvem. Foi a claustrofobia dos telejornais; o tom de queixume quotidiano; o manto das mentiras com que se cobrem os joelhos; a enjoativa nostalgia do pôr-do-sol; as faturas eletrónicas a ocuparem o espaço virtual das cartas de amor; os zumbidos dos eletrodomésticos a arrefecerem-me os sonhos; o esparguete com bife napolitano no prato do desconhecido. Tudo coisas que compreendes bem demais já que começaste a odiá-las muito antes de eu chegar.
Então mudei-me para esta nuvenzinha de tédio e fiquei a ver a terra girar na transparência da página de um poema. A poesia é uma armadura. Não sei como nunca o percebeste. Talvez seja indispensável ser-se fútil e dar a importância devida aos outfits. Sempre soube que a minha metade burguesa haveria de me salvar a vida. 
Mas entretanto, dizia eu, a terra girou e girou e girou. Passou-se outro ano desde a última vez em que soprámos por ti as velas do aniversário e ficámos sentados em frente a um bolo demasiado duro para ser ingerido. 
Aqui, da minha nuvem, enquanto ensaio as notas dos parabéns a você e decido que é o nascimento e não a vida aquilo que justifica a comemoração, ocorre-me que pode bem dar-se o caso de estar mais morta do que tu. 
Porém, com muito melhor outfit. Como sempre. 

9 comentários:

  1. ocorre-me que o outfit é um silenciador de arma pronta a disparar.
    às cegas, em nenhures.
    (se estiveste a escrever sobre o poeta abaixoacimaabaixo, como nos copos, já que aqui se trata de uma celebração de nascimento, deverá ter sido pessoa merecedora, é :)

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    1. Gosto de outfits. Ninguém me convence que o mundo não seria mais bonito se todas as pessoas fossem fúteis.

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    2. Só pode ser ironia, a futilidade veste-se muitas vezes com profundo mau gosto. :)

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    3. Ainda assim mantenho a minha defesa da superficialidade.
      :)

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    4. Isso é o Andhriminir a apontar-te o gancho, só pode... :)

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    5. Se fútil é o supérfluo, todas as coisas não estritamente necessárias à sobrevivência do homem seriam fúteis. Devemos o beijo de Klimt à primeira criatura que teve o ensejo frívolo de desenhar numa pedra o contorno de um bisonte. A futilidade, no seu expoente de amor ao belo é a génese de todas as formas de arte. E também o é, na vertente pensar o acessório, da própria filosofia.
      A futilidade é o máximo! :)))

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    6. Herege! Reduz a mulher a um animal das cavernas, a uma pintora rupestre, enquanto o homem caçava para ela comer! No entanto as pinturas ficaram e o resto não! E o Friso Beethoven, atreve-se a dizer que é um beijinho qualquer? Agora compara a pintura a um outfit, a uma maquilhagem de terceira categoria, que esborrata ao fim da noite? Conhece alguém fútil a visitar um museu por amor ao Belo? Acha que o mundo seria melhor, que não haveria cobiça? Era só vê-las(nem digo). E eles, os grandes filósofos, suicidaram-se para comprar um fato Armani?
      Ah, Ah, Ah, sua fútil, faça então um blogue de trapos, coerente com o que acaba de aqui defender! E o que dizem as mensagens das "garrafinhas": «Vamos curtir à superfície?»

      Monstro Bom :)))

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  2. também gosto de outfits, que podem ir da ganga + blusa de seda + saltos altos ao vestido comprido sem sapatos (acho que nós vestimos a roupa e não contrário).

    de qualquer forma, aqui vai uma confissão: durante anos tudo o que quis foi a estupidez, que se entranhasse em mim e pudesse circular pelo corpo inteiro.

    (tudo verdade)

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    1. Ser estúpido é um estado de graça.
      Ainda assim, não queria essa graça.

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