segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Desastrada canção

Ao Rui Costa
(1972-2012)


Nunca és tu na porta que se fecha.
É apenas o vento sueste,
a dizer-me que não vieste 
e que já nada há aqui que mexa.

Não és tu no eco de certa voz.
É outra declinação do meu nome,
a soar-me ao teu silêncio atroz 
preso à eternidade que dorme.

E também não és tu na fotografia
Impressa nas páginas mais tristes
que ao mundo, esvaziado, anuncia
o erguer da manhã onde inexistes.

Poderá ainda haver um gesto teu 
na papoila que se balança lenta 
ao ritmo das notas da lira de Orfeu
E o fracasso de Eurídice lamenta.

(Tentei recuperar-te nos escuros confins do Hades,
mas falhando todas as notas e olhares  perdi-te tardes)

Ou serás tu no verso de um poema azul,
tecendo a inocência mágica das estrelas,
ou rosa-dos-ventos desorientada a Sul, 
desenhando o inverso cego das letras.

Mas serás tu, por certo, 
no mais digno vértice da minha inquietação,
Onde semeaste a planície de liberdade
que deixaste como penhor da saudade,
E serás, por fim, nesta desastrada canção. 

2 comentários:

  1. Uma canção que de desastrada não tem nada. Tão bonita, tão tua.
    Ficaria perfeita acompanhada por uma certa viola (ou guitarra :).

    um beijo, querida Cuca

    ResponderEliminar