domingo, 27 de dezembro de 2015

Dentro dos bolsos

As velhas colunas do café chutavam Cat Empire enquanto contavam a toda a gente a história da tua vida. Toda a gente era apenas um pescador de cabelos desgrenhados; a velha de lábios esborratados de vermelho; um casal sentado em frente de um descafeinado clandestino; o poeta enlouquecido e um caniche estirado na soleira da porta. Pensei que, com exceção do caniche, o teu segredo estaria a salvo. Três moscas faziam uma estranha dança em redor de uma daquelas lâmpadas de halogénio. Ao longe, um copo partiu-se de encontro ao chão e ninguém apanhou os vidros. Nenhum carro passou na rua e esse estranho facto uniu-nos a todos, talvez para sempre. 
Troquei um sorriso pela canção, tal como me disse a música que o fizesse. Levei a mão esquerda ao bolso vazio para verificar se ainda trazia junto a mim as tuas palavras. Traquilizou-me o nada nas pontas dos dedos. Aqueci os lábios com o café. O poeta enlouquecido desenhou um unicórnio prateado no guarnapo de papel. 
Ainda antes de amanheceres haverias de sonhar este café; sofrer a angústia do casal que se separa para o dia; recordar o baton vermelho num sorriso de há muitos anos; ser um pescador num café esquecido; encontrar no teu bolso, junto ao peito, o desenho de um unicórnio prateado. 
Amar, já acordado, a breve e indecifrável memória de uns lábios aquecidos.


Sem comentários:

Enviar um comentário