domingo, 16 de agosto de 2015

Dona Armanda

Tem talvez cinquenta, tem talvez sessenta. É possível nascer-se já sem idade. Essa, aliás, costuma ser uma das muitas declinações da pobreza. Arrasta a cesta pela praia onde a esta hora da manhã e da maré ainda é possível descobrir-se alguma areia. O pregão é um dos mais incomodativos e é a sua imagem de marca. Tem orgulho nele. Percebe-se pela forma como o grita. É o mesmo desde que aqui cheguei. As sandálias vão mudando. Suponho que no final do mês as tiras de plástico cedam ao esforço diário de palmilhar a praia sob o peso da cesta. Ela não cede ao esforço. Não pode deixar-se partir. Se lhe perguntassem, tenho a certeza, diria que a coragem é a virtude da falta de alternativa. Diria-o de outra forma. Com um sorriso que eu jamais seria capaz de imitar. Aqui deitada na cama, observo-a erguer a cesta, fazer uma festa na cabeça do miúdo que lhe dá a moeda e afastar-se, parecendo genuinamente feliz com ou apesar do seu pregão. Das costas vergadas ao peso da cesta. Do sol tórrido nos cabelos que este ano estão mais brancos.
A felicidade é o mais indesvendável dos mistérios dos seres humanos.

2 comentários:

  1. A felicidade vem e deixa-se ficar quando estamos distraídos, não damos conta de que está ali. É coisa muito de vontade própria, vem e vai sem comando de ninguém.
    Tens razão, a felicidade é o mais indesvendável mistério dos seres humanos.

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