sábado, 11 de maio de 2013

queria ter acordado Alice



Acordei no auge da minha confusão mental sem saber se sou Alice, a rainha de copas, uma vaca sagrada, a esfinge, um ser humano ou uma lagartixa de cauda escamada. Também não consegui situar o candeeiro da mesinha de cabeceira em nenhuma década da minha vida e tive de abrir a gaveta à procura de meias de homem para tentar perceber se dividia a vida com algum e qual. É uma boa técnica porque os homens distinguem-se todos pelas meias que usam e assim conseguimos sempre saber em que fase do passado estamos a viver. Para que esta técnica identificativa e de apreciável auxílio no controlo dos incómodos do alzheimer seja verdadeiramente eficaz, nunca podemos ser nós, pelo menos usando os critérios estéticos próprios, a comprar meias ao nosso homem. Mas a mim nunca me passaria pela cabeça comprar meias a um homem e talvez também a isso se devam os meus fracassos relacionais. 
Encontrei na gaveta uma trela de cão e depois de ter passado algum tempo a avaliar as possibilidades de uma relação sado-masoquista ou, pelo menos, de contornos mais kinky, lá me situei na realidade possível.
Para fugir dela muito rapidamente, decidi ir para a praia à procura de uma toca de coelho que me permitisse escorregar para um mundo em que o encolhimento só dependa da ingestão de uma fatia de tarte de maçã. Ainda comi a dita da tarte mas, desta vez, não apareceu nem o coelho do relógio, nem nenhuma outra criatura da sua trupe. Já nem falo no chapeleiro louco que, tanto quanto percebi, morreu vítima de hipotermia no meio de uma caçada à baleia.
Zanzei inconformada pela maré baixa à procura de um búzio que me trouxesse vozes de outras margens do oceano. Mas os búzios já só sussurram murmúrios incompreensíveis e eu pareço ter desaprendido a linguagem do mar.
Um resto de juízo ordenou-me que voltasse para casa e tomasse conta dos papéis espalhados pela sala a implorarem soluções urgentes.
Pensei que, se não tenho cuidado, ainda me transformo numa pessoa normal.
Houve tempos em que esse foi o meu maior desejo. Mas isso foi há muito tempo. 

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