domingo, 29 de janeiro de 2012

Há dias assim

Uma praia vazia.
Um livro fechado.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Não há nada como...

não há nada como o galope de um cavalo inteiro

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

sleep tight

O vestido de seda cobre o soalho primorosamente encerado.
As pérolas de quase todos os dias, muitas pérolas e de diferentes tamanhos, enleiam-se nas meias e no vison que lhe aqueceu o colo ao longo do dia. E que lho protegeu dos olhares, cobiçosos dos homens da faina, e ávidos das mulheres sedentas de coisas bonitas.
Indecisas entre a madeira do pavimento e o veludo da coberta da cama, para onde atirou o corpo moído da dressage da tarde, as pérolas balançam na cadência das ondas que se desfazem lá fora.
A própria se desfez de todas as coisas que trazia em si nesse dia. E tristemente o fez, na certeza de que nenhuma desordem da alma, ou de outra natureza, lhe trariam inquietação, também nessa noite.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Nota de Culpa

Querida Medusa:

É só para informar que a sua licença sabática terminou.
Faça o favor de se apresentar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

E agora, os vivos.

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.


José Saramago, in Os Poemas Possíveis.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Coisas do Calhau # 1

Havia um Oceano e, dentro dele, uma pequena ilha.
Nela, uma pequena aeronave aguardava impaciente o condenado, a caminho do seu período de reclusão semanal. O dos dias livres.
A graça está em que, a seu lado, era ainda aguardada a mulher que para lá o remetera. Ela e as suas crias.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Please Lassie, come home.



Os loucos, pois claro



Aqui não há ópera, teatro, cinema ou sucedâneos.
Percebe-se assim melhor o meu entusiasmo por ter sido convidada para assistir a um concerto.
Aconteceu na exígua esplanada de um café ordinário e dado que choveu o tempo todo e eu estava encostada ao limite do toldo de lona esburacada que nos protegia da intempérie, acabei com as costas encharcadas e a com a T-Shirt pseudo punk-chic debotada.
Tamanho das almas à parte, claro que só poderia ter valido a pena.
O momento alto da noite deu-se quando os rapazes cantaram os Loucos de Lisboa e eu percebi que tinha a cara molhada e que não era por causa da chuva.
Cinco meses após a minha chegada instalou-se uma inquietação que, de acordo com o que me recordo dos tempos em que ainda tinha sentimentos, aproxima-se perigosamente do conceito de saudades.

Não devemos vacilar no combate à nostalgia.
Amanhã voo para Lisboa.
Uma Lisboa vazia de todos os meus loucos.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu,
A vertigem ardeu-me nos braços até a sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas,
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada.
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos - ,
Ceifando. Saturno.e.o.vento.na.proa.erguendo.
O: navio:no:mar:parado:parado: completamente.
Parado.como dizer? Não dizer, eu sou.uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos

P’la manhã

Rui Costa, in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Edições Quasi, 2005

domingo, 8 de janeiro de 2012

O poder da persistência

“O staretz diz ao peregrino que se repetirmos constantemente essa oração (ao princípio basta dizê-la só com os lábios), o que acaba por acontecer é que a oração se torna activa. Acontece qualquer coisa ao fim de algum tempo. Não sei o que, mas acontece qualquer coisa, e as palavras sintonizam-se com o batimento do coração dessa pessoa, e então está efectivamente a rezar sem parar. O que tem um efeito místico tremendo em toda a sua visão. Acontece que é precisamente esse o propósito, mais ou menos. Quero dizer que se faz isso para purificar a visão e alcançar um conceito novo do sentido das coisas(…) Mas a coisa, a coisa maravilhosa, é quando se começa a fazer isso nem sequer faz falta que se tenha fé no que se está a fazer. Isto é, embora a pessoa possa sentir-se terrivelmente embaraçada com tudo aquilo, não há problema. O que quero dizer é que ninguém insulta ninguém ou nada. Por outras palavras, ninguém pede a ninguém que acredite no que quer que seja quando se começa. Nem sequer é preciso pensar no que se está a dizer, afirmava o staretz. Ao princípio, a única coisa que tem de se ter é quantidade. Depois, mais à frente, a quantidade transforma-se em qualidade. Pelo seu próprio poder ou coisa do género. Diz que qualquer nome de Deus, seja ele qual for, possui esse poder peculiar e activo, e começa a funcionar logo que é posto em marcha.”
J.D. Salinger, Franny e Zooey

Se a fé se adquire pela repetição ad nauseum de rituais sem sentido porque é que eu não posso legitimamente esperar que a fórmula também funcione quando aplicada ao amor?

sábado, 7 de janeiro de 2012

espelho, espelho meu, não és tu, sou eu...



A inquietude é um sintoma.

A doença chama-se insatisfação permanente.