domingo, 1 de agosto de 2010

Estar à altura das expectativas


Pense-se numa criança de cinco anos que visita a casa de um casal sem filhos. Uma casa cheia de cristais, porcelanas e objectos de design. Espalhados de acordo com critérios que não prevêem a existência de um intruso infantil. A criança chega e senta-se. Mas só consegue estar sentada durante cinco minutos. O próprio sofá é impróprio para crianças. Digamos que é branco. O anfitrião olha de lado para as solas enlameadas dos ténis da criança e traça uma linha de perigo. Depois a criança levanta-se e circula pela sala. Os pais advertem-na que não pode tocar em nada e regressam à conversa de adultos. A criança fica sem vigilância a deambular pela sala. Sem vigilância aparente. Porque, de tempos a tempos, capta o olhar desconfiado do anfitrião. A medir o perigo, na sua impotência de anfitrião bem-educado. Instala-se a tensão. Não há nada na sala que possa distrair a criança dos valiosos objectos cuja fragilidade os torna proibidos. Numa primeira fase limita-se a olhar. Mas ele já sabe que haverá uma segunda fase em que terá que tocar. Toda a sala o sabe. Os adultos continuam a conversar num esforço consciente para ignorar a tragédia iminente. O miúdo estende um dedo para um candeeiro de cristal murano que abana ligeiramente e volta ao seu lugar. Os anfitriões entreolham-se num arrepio que lhes percorre a espinha. A expectativa de que o miúdo estrague a harmonia da sala torna-se ensurdecedora. Ele absorve o clima. Incapaz de fazer outra coisa que não seja corresponder a expectativas, decide que desta vez vai apenas cheirar um vaso da dinastia Ming.
E o estrondo que preenche a sala quando o vaso se estilhaça representa o alívio de todas as tensões. O último suspiro do moribundo. Os pais fingem espanto. Os anfitriões encolhem os ombros. É como se a sala inteira gritasse um “já está!” aliviado. Aconteceu o que tinha que acontecer e se sabia que aconteceria desde o momento em que a criança entrou na sala. Podem todos voltar sossegados à sua conversa de adultos.

Agora pense-se num homem mediano que entra na vida de uma mulher cuja cabeça poderia ser o catálogo de uma season dos leilões da Christie´s.
É exactamente a mesma coisa.

3 comentários:

  1. Pois querida, só que nesse caso não vai bastar-se com o jarro.

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  2. Não, não estava a pensar no falecido. Esse nunca foi um homem mediano e jamais se contentaria com menos do que comprar as peças todas para depois fazer tiro ao alvo com elas.

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