segunda-feira, 4 de maio de 2015

Dia 2555

Debruçados na varanda de um dos cafés da praça Jemaa el Fna, ventoinha decrépita a esforçar 
-se inutilmente nas costas, chá gelado de menta na mão, olhar perdido na amálgama de encantadores de serpentes, contadores de histórias, vendedores de tapetes mágicos, cestos de vime com especiarias de cores que o arco-íris não inventou, acondicioanados pelo cheiro da vida que ia subindo da praça, ele fez uma promessa.
E num amanhecer no Mar de Mármara, diante do som do chamamento para a oração, Istambul a espreguiçar-se aos pés, com a Mesquita Azul e Santa Sofia como testemunhas, o Bósforo a correr dentro dos seus olhos, repetiu a mesma promessa. 
E nela insistiu num entardecer na Áustria, pendurados num teleférico avariado sobre a imensidão das montanhas, doze graus negativos a queimarem os narizes e nuvens de densidade tridimensional a ocludirem os últimos raios de sol.
E a ela voltou numa ilha da Tailândia, embalados na canoa da noite iluminada pela maior lua de sempre, a areia a insinuar-se prateada muito ao longe e um rochedo imenso a fazer-se frágil diante da solidez das palavras.
E repetiu-a muitas outras vezes. Nos telhados de Barcelona, nos canais de Amsterdão, numa das gôndolas de Veneza, na ponte mais bonita de Paris, por todo um quarto de Lisboa. 
Quebrou a promessa num fim de tarde, a muitos quilómetros de altitude, entre os aeroportos de Barajas e Lisboa.
Faz hoje sete anos. 
Há sete anos que acredito que a coerência cosmológica impunha que aquele avião nunca tivesse chegado ao seu destino. 



2 comentários:

  1. É por isto que gosto de vir aqui.... :)

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  2. Não há maior Menestrel ou bardo do que a dor . Não há maior beleza do que a cantar a dor da própria dor, aquela que congelou no tempo e na alma.
    Que lindo.

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