quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ilustração de Toni Demuro

A transposição gráfica da psique de uma certa relação.

Will You?


(…)But the rose was awake all night for your sake,
Knowing your promise to me;
The lilies and roses were all awake,
They sighed for the dawn and thee.
(…)
There has fallen a splendid tear
From the passion-flower at the gate.
She is coming, my dove, my dear;
She is coming, my life, my fate.
The red rose cries, "She is near, she is near;"
And the white rose weeps, "She is late;"
The larkspur listens, "I hear, I hear;"
And the lily whispers, "I wait."(…)


Song From Maud, Lord Tennyson

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Itinerâncias

Hoje vi a árvore debaixo da qual passei o último outono. As folhas que entretanto caíram e a deixaram nua regressaram há meses. Agora as flores taparam as folhas. E isso significa que se passaram três estações.


Iniciou-se a contagem decrescente para o final da minha missão nesta terra.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Caro Chekhov, a felicidade falsamente induzida é um sentimento sobrevalorizado


(…)"I love you, Nadia!

"Heavens, what an effect my words had on Nadia! She cried out and stretched forth her arms to the wind, blissful, radiant, beautiful, . . 

.And I went to pack up my things. All this happened a long time ago. Nadia married, whether for love or not matters little. Her husband is an official of the nobility, and she now has three children. But she has not forgotten how we coasted together and how the wind whispered to her:

"I love you, Nadia!"

That memory is for her the happiest, the most touching, the most beautiful one of her life.

But as for me, now that I have grown older, I can no longer understand why I said those words and why I jested with Nadia.

In A Joke, Anton Chekhov

segunda-feira, 14 de maio de 2012

este céu será meu


Bitter Sweet

Soube há dias que acabou por fazer o que, há anos, não lhe permiti por minha causa.
Dez anos volvidos, e cinco filhas depois, a lotaria das probabilidades acabou por materializar as menos expectáveis.

???


Demorei um considerável período de tempo a voltar a dar com a entrada para o wonderland. O problema relacionou-se com a dificuldade em encontrar o coelho guia (toda a gente sabe que se encontra o wonderland seguindo o coelho e deixando-nos cair num buraco) devido à epidemia que matou setenta por cento dos coelhos desta terra e deixou os pastos enfeitados de pequenas nuvens brancas que depois ao perto são carcaças putrefactas.
Farta de esperar pelo coelho decidi-me a seguir uma vaca. Estranhamente, ou talvez nem tanto, nestas coisas do realismo mágico uma vaca tem tantas capacidades como um coelho e satisfaz os mesmos propósitos.
À porta bebi toda a aguardente de medronhos que roubei no Alentejo mas apenas para descobrir que aqui não produz efeitos mágicos. Uma acolhedora lagarta explicou-me que, por estes lados, a password passa pelo óleo de baleia. Azul.
Fiz uma improvável amizade com um homem que desconfio que seja o chapeleiro louco. Não comete a extravagância de usar um chapéu denunciador – aqui as coisas não apenas também não são aquilo que parecem como até são sempre o oposto daquilo que parecem – mas usa camisas de mariachi com coloridas meias de riscas e calças de ganga com forros de flores. Não usa matracas mas toca contra-baixo.
Sentámo-nos numa mesa de tábuas corridas a beber cerveja preta e a comer bifanas em pão pita enquanto ele me fez um interrogatório para se certificar que não sou uma infiltrada ao serviço da rainha de copas. Presumo que passei no teste já que fui convidada para uma importante reunião secreta onde estarão todos os elementos subversivos do reino.
Ainda lhe perguntei se me poderia fornecer um suplemento de óleo de baleia mas, indignado, apressou-se a dizer-me que só trafica droga.

domingo, 13 de maio de 2012

Comunicações intergalácticas


Acho que foste tu que me enviaste o arco-íris duplo que abraçou a ilha inteira e se instalou durante setenta minutos. Parei o carro e o tempo e fiquei suspensa no final do arco. No sítio onde há duendes e potes de ouro e, porque não, o riso daqueles que já não podemos ver. Também acho que foste tu que, na mesma noite, me enviaste o mais bonito espectáculo pirotécnico que já vi na vida. Durante mais de quatro horas o céu fotografou todos os recantos da terra. E os raios iluminaram o mar que ficou lilás com pequenas ilhas azuis.
Acho que me enviaste essas coisas todas por saberes que precisava que me lembrassem que há na natureza uma nota de infinitude, milagre e deslumbre que sempre compensará as limitações e a fealdade dos homens.
Bem sei que não gostavas de mar e muito menos de ilhas e me vaticinaste um destino de escamas arrancadas e aprisionamentos em topos de vulcões onde se constroem casas que estão sempre condenadas a desfazerem-se em cinza. Mas no mar não existem apenas peixes. A prova são os piratas que as luas atiram para a costa. O mar é, por excelência, a morada preferida dos vagabundos.
Partilhei a tua falta de fé na humanidade, sem perceber que a estendias a mim.
Debaixo desse arco-íris que acho que me enviaste soube que não corro o risco da realização do teu vaticínio. Não me arrancaram escamas, não me deixei aprisionar e não construí uma casa no topo de um vulcão.
Como diz outro poeta, “sou vagabundo do mar”. 

sábado, 12 de maio de 2012

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Podia ter sido uma audição para a Broadway

Passei duas horas numa sala com vinte pessoas a fazer de conta que sabia o que estava a fazer.

Corrijo.
Passei duas décadas em muitas salas e com todas as pessoas a fazer de conta que sabia o que estava a fazer.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

tesourinhos deprimentes

Ocorrem-me poucas coisas mais decadentes do que os jantares comemorativos dos não sei quantos anos de faculdade.

Antes, conseguia-se evitar os salpicos da decrepitude inventando uma história razoável que nos colocasse na pesarosa situação de, excecionalmente naquele ano, nunca podermos estar presentes.

Agora, começa a parecer-me que só se evita a tragédia desativando a conta do facebook.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

o destino está sempre em qualquer outro lugar




Lembrei-me da emoção que foi chegar a Lisboa depois de meses de ausência. Do arco-íris que se apoderou de toda a ponte Vasco da Gama e se viu do avião. Esse despropositado outono em que fui cair. O sorriso aberto que me esperava à porta. O movimento dos carros na avenida que rima com a verdade. A Madragoa e os ovos mexidos com cogumelos selvagens do meu preferido de entre os restaurantes sérios de Lisboa. Um abraço nem demasiado solto nem demasiado apertado e que demorou o exato tempo que deve demorar um abraço. O café nos claustros com música roubada. Um taxista que nos fez prometer que nos portaríamos bem. O Cais do Sodré cheio de gente sem pressa e risos descontraídos em salas decrépitas. Um irish pub onde, desde a corona até à música, o antes é rigorosamente igual ao agora. O cais das colunas com o terreiro do paço ao fundo e uma nuvem oportuna que lavou a cidade e com ela a minha alma. O surpreendentemente curto caminho para casa. Um abraço mais apertado e longo do que aquilo que deve ser um abraço. Um outro taxista solidário com reencontros que são despedidas. Adormecer com os cabelos molhados ao som da chuva a cair sobre Lisboa. A sensação de encontro dentro do desencontro. Esse cliché que é Lisboeta.
Mas estava outra vez sentada numa sala de aeroporto. Havia um placard que me atirava à cara o delayed.
E todos sabemos que só se está atrasado quando ainda não se chegou ao destino.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Conselhos úteis


“Seguíamos cos dez demos vilões:
Ah, feroz companhia! Mas na igreja
Cos santos, na taverna cos glutões”

Dante Alighieri, A Divina Comédia, Quetzal, Canto XXII, pg. 203

Pensão Amor


Quando a rotina dos teus dias te ensopa os ossos olhas para a tua vida com desdém. Sentas-te num sofá comprado na loja sueca e imaginas o que serias se tivesses escolhido o caminho da esquerda. O do coração. Nos sonhos nunca se sente a falta do que já se tem. É por isso que o caminho que não escolheste tem o suave aroma das figueiras num fim de tarde de sol. Então tornas-te vítima do teu logro e finges que estás a tempo de voltar atrás. Móis a decisão durante uns dias, juntas-lhe três doses de otimismo e regas tudo com um copo do teu melhor whiskey.  É nessa altura que o meu telefone toca.
A tua voz nas minhas sucessivas salas soa como uma nota de constância confortável. Mais ou menos como a paisagem do quadro que arrastamos pela vida fora e vamos pendurando em paredes diferentes. Descreves-me como seria o mundo se tivesses escolhido o caminho da esquerda. O do coração. Transponho-me para a tua ilusão com a certeza que durará o tempo de um sonho. Alugas-me pelas horas indispensáveis ao regresso ao cruzamento em que tornarás a escolher o caminho da direita.
Presto-te o serviço da fantasia da liberdade que tu me pagas com a fantasia de uma vida normal.

E não admira nada que, para encenarmos o próximo ato desta peça esgotada, tenhamos escolhido por palco um sítio chamado Pensão Amor.