terça-feira, 31 de agosto de 2010

Chegar a casa e não estar em casa

Se tivesse alguma ligação emocional com os objectos espalhados…
Se não tivessem deixado de importar o meu perfume…
Se me tivesse dado ao incómodo de abrir os caixotes que arrasto atrás de mim…
Se não se desse o caso de esta ser a minha décima terceira casa …
Talvez, ao meter a chave à porta, eu não tivesse a estranha sensação de me preparar para invadir a íntima existência de uma mulher que nunca vi.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Para o ano faremos uma nova tentativa


Cuca e Estrelita, logo que tocaram com os míticos pés esfoliados e bronzeados na Grécia, fizeram uns telefonemas a umas pessoas importantes e umas horas depois foram convidadas para subir a bordo do iate do Poseidon, himself.

Foi mais ou menos assim:

Poseidon: Ó belas criaturas!! Quem sois vós? De onde vindes? Ninfas estrangeiras?
Cuca e Estrelita em uníssono: Somos a Cuca e a Estrelita e viemos de Portugal.
Poseidon: Ah! Já sei! Fostes inventadas por aquele poeta zarolho que vos criou lá para o canto IX?
Cuca: Não sejas estúpido Poseidon. Os Lusíadas são uma obra de ficção.
Estrelita: Sai-me da frente que me estás a tapar o sol.
Poseidon: Deslumbrantes criaturas, que posso eu fazer por vós?
Cuca: Anda para aí um boato que envolve o Perseu e a nossa amiga Górgona… Queremos que chames esse cobardolas para termos uma conversinha com ele.
Estrelita: Ó pá!! Não te disse já que saísses do meu sol?!
Poseidon: Não vos sabia dona do sol, senhora doutora ninfa…
Estrelita (concertando o soutien do biquíni e sem se dar ao incómodo de olhar para o velho): Este gajo já me começa a irritar. Não sabes que o sol é uma estrela? Odeio gentinha ignorante. Sabes ao menos fazer uns mojitos decentes?
Cuca (com a sua irritante mania da etiqueta internacional): Não me parece que seja adequado beber mojitos na Grécia, no iate do Poseidon, Estrelita. Isso seria apropriado se estivessemos nas Caraíbas.
Estrelita: Se esse paspalho desse uso à forquilha e fizesse aqui aparecer o Johnny Depp com o seu galeão, eu mudava logo de poiso.
Poseidon (com ar amuado): Tecnicamente falando, é um tridente!
Cuca: Manda lá vir o rapazola Perseu que temos umas contas a ajustar.
Poseidon: Hum...posso tentar fazer umas caipirinhas. Tive em tempos uma empregada brasileira que…
Entra Perseu vestido com uma ridícula armadura e acompanhado de um escudo espelhado, tudo totalmente impróprio para uma tarde náutica debaixo de 40 graus.
Perseu: Chamaram-me? Quem são estas ninfas estrangeiras? Adoro ninfas!
Cuca e Estrelita (em uníssono, batendo palmas): Despe! Despe! Despe!
Perseu vai despindo o monte de latas com tiques de stripper e exibe um corpo que envergonha o David de Michelangelo Buanarroti.
Cuca: éh lá…
Poseidon: Eis Perseu!! Estas deusas vieram do país do poeta zarolho e trazem-te um recado da Medusa.
Perseu, ouvindo falar em Medusa entra em pânico e começa a arrumar as latinhas para se retirar à pressa.
Estrelita e Cuca (com os olhos fixados nos abdominais do Perseu): oh Poseidon, vai lá fazer umas ondinhas e deixa-nos aqui sozinhas com o Perseu que isto não é para a tua idade!
Poseidon: A minha mãe sempre me disse para não confiar em estrangeiras… Vou-me queixar ao Zeus!
Poseidon retira-se numa prancha de surf puxada por dois leões marinhos, levando consigo o tridente debaixo do braço.
Perseu (ainda a tremer, balbuciando baixinho): Medusa? Medusa? Medusa? Tenho que me ir embora. Lembrei-me agora que estou cheio de pressa…
Cuca e Estrelita: Medusa? Quem falou em Medusa?
Cuca: Isso não é uma alforreca manhosa que se cola à pele?
Estrelita: Isso não é o nome do símbolo da Versace?
Cuca, Estrelita e Perseu passam o resto da tarde no deck do iate de Poseidon a beber mojitos feitos pelo Jack Sparrow que, entretanto, avariou a bússola e se perdeu por aqueles lados.
Quando acordaram, o dia seguinte era uma semana depois e estavam a aterrar em Lisboa.

Tsujiura Senbei






"Que alcances distinguir a mentira da verdade."

sábado, 28 de agosto de 2010

Noves Fora, Nada

Do pai não me peças partilhas em vida que eu sei lá da minha velhice; do marido querida estás sempre bonita; do filho espero que dures o suficiente para não me tramares a juventude com a tua falta e poderes dar uma ajuda até eu ter uns 35 anos, pelo menos; do amante não me venhas pedir para ficar a dormir, já sabes que não pode ser, e é um sarilho, não te quero comprometer; da sogra não me mace o Natal com o seu ar de esfinge do tédio; do colega de trabalho se julgas que me passas à frente estás redondamente enganada, deves andar a trabalhar muito na horizontal, deves, foi como chegaste até aqui; da amiga tu não me adoeças com cancro porque isso é horrível e não sei se tenho estômago para passar tardes no IPO ou para ir às compras contigo sem sobrancelhas


Não importa o que ela ouve, a frase é sempre a mesma: Só quero que sejas feliz.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Medusa Is Heavily “EVELy” Drunk OR The Fuckin’ Bee OR Amigos Que São Muito Más Companhias


M: Incitar uma abelha a aferroar-me foi a coisa mais vil que algum dia me fez. Não tem graça nem par. Uma tarde inteira a fazer apostas patéticas. Incluiu-me no seu rol de prémios – quem aposta a aferroada de uma abelha no tornozelo de uma amiga!? Que amigo é esse?

Lobo A.: Ora, minha querida, já lhe prometi que a acompanho nessa pantomina da abelha até à cova. Não vai ser pela minha boca que vão saber que a minha querida teve aquele ataque de choro e fúria ao acabar o livro que fala da vida de um senhor ministro. Livro que, lamentavelmente, a minha querida atirou para a piscina e que se desfez quase instantaneamente no ph 7,1. E que o palavrão que murmurou ao arremessá-lo era para mim. E que a minha querida já não chorava por causa de um livro desde que, aos 13 anos e de um fôlego, leu o Fernão Capelo Gaivota.

M: Que disparate! Atirei o livro à mentecapta da abelha! À mentecapta da abelha!

Lobo A.: A pobre nem a beliscou, minha querida… Vá, já lhe assegurei que não conto a ninguém. Seja boazinha e vamos beber o café para a sala, já todos foram. Escute: quero ouvir os improvisos do Fritz ao piano. Vá lá.

M: É um idiota. Sabe bem como o estimo e põe-se com estas coisas. Sabe que mais? Não passa de um crápula ordinário que usa os seus truques de psicanalista e os seus olhos azuis para atrair garotas. Estou cheia de si! Não satisfeita mas cheia. Amanhã já começo os Cavalos Que Fazem Sombra…

Lobo A.: Está bem. Sossegue. Quando voltar do seu passeio pelo vinhedo esta madrugada e chegar com os pés carregados de terra (que vai sorrateiramente lavar à piscina, pensa que eu não sei?) e a camisa de noite esfarrapada e ainda a mastigar pétalas de rosas, estarei à sua espera para falarmos sobre isto. E fumamos um cigarrinho juntos, sim?


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Midsummer Night’s Teaser

Jantar generoso de gargalhadas. Serão animado que lentamente esmorece à medida que os comensais se paralisam, etilizados. Tombam. Um a um.
Meias luzes por toda a casa. Entorpecimentos.
O xisto liberta-se do calor que engoliu o dia inteiro enquanto estivémos ao sol e nos embalsamámos em loções.

Ficamos reduzidos a dois. Não apreciamos particularmente qualquer jogo de cartas. Estou a baralhá-las há dez minutos. Sopram-se das minhas mãos e espalham-se pelo chão.


A piscina. Lá fora.


Wanna take a swim?
My bikini is still wet… – I argue

Well babe, we’ll find a way to it, won’t we…?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Postal Ilustrado









Alto Douro, 25 de Agosto





Queridas!


Depois de vários convites que já não podia declinar sob pena de ferir esta caríssima amizade, finalmente me encontro de visita ao Barão F que me recebeu com as gentilezas habituais. Instalada em n almofadas, de varanda debruçada sobre a piscina. O fim de tarde foi de preguiças tais que já nem me lembrava.

Fomos jantar com Dionísio, que também já está por cá e fica até ao fim das vindimas. O repasto durou um bom par de horas que deram tempo para que as gavinhas se enrolassem lentamente em mim. Acabei a refeição florida de videiras e com aquele riso que fixa uma covinha involuntária entre o lábio e o nariz.
Espero que estejam a divertir-se bastante por esse mundo helénico fora (ainda que o Dionísio esteja aqui comigo). Contem-me: já deram com o Perseuzinho...? Que maldade lhe fizeram!?

Bem, o postal já vai longo e tenho Morfeu a sussurar-me ao ouvido...

Vossa,
Medusa.

Introducing Medusas' new shrink: Erasmus

"Mas o homem, nascido para administrar as coisas, deveria receber um pouco mais do que uma onça de razão. Júpiter consultou-me a este respeito e dei-lhe um conselho digno de mim: o de unir a mulher ao varão. A mulher é um animal louco como nenhum, inepto, ridículo e delicioso que no convívio doméstico atenuaria a tristeza do engenho viril com a loucura feminina. E claro que, quando Platão parece hesitar em incluir a mulher entre os animais racionais, nada mais pretende do que indicar a loucura insigne desse sexo. Quando por acaso uma mulher quer passar por sábia, não faz mais do que dizer que é duas vezes louca. Ninguém vai ungir um boi para a palestra, nem Minerva o consentiria. Não procedamos, pois, contra a natureza; o vício fica agravado quando dissimulado de virtude, por maior que seja o engenho. É bem justo o provérbio grego: um macaco é sempre um macaco, ainda que vestido de púrpura. Assim, também a mulher é sempre mulher, quero dizer, sempre louca, ainda que ponha uma máscara."
Erasmo de Roterdão ::: Stultitiae Laus * 1511

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Possessa pelos sítios, como os gatos



Estive na cidade do costume que, ao fim e ao cabo, não é minha porque, na verdade, não tenho nenhuma. Fruto das idas e vindas. Não tenho um lugar mas tenho sítios. Mas tenho pessoas. E tenho coisas que, normalmente, são como etiquetas das pessoas que eu tenho. E saudades, essas tenho sempre muitas porque me habituei a tê-las. Não daquela forma dolorosa, ao jeito fado, já que esse não é nada o meu jeito. As minhas saudades são dignas e conformadas. Não acomodadas. Apenas conformadas, como se conformam as pessoas com os seus feitios que são defeitos e que sabem vão piorar com o tempo. E gostam.
Não tenho cidade e até tenho. A questão é que tenho mais que uma, como se tivesse nascido de uma forma simultânea em duplicado. Sou de mim aquilo a que se chamava sósia e que a ciência aprimorou como clone.

Talvez seja esta a razão de não me assustar a duplicação de sentimentos. Consigo sentir o mesmo por mais que uma pessoa ao mesmo tempo.

Talvez seja esta a mesma razão da minha fraqueza de toxicomaníaca de algumas coisas, aos olhos dos outros patéticas, mas que fixam a minha satisfação a determinados locais.

Noutro dia, depois de mais uma visita a um comerciante do qual dependo (apesar da distância da minha casa que, entretanto, aumentou muito), tive a coragem de atravessar a rua e entrar na Praça, um pouco acima.

Ainda não tinha lá voltado depois da remodelação facínora que fez conjunto com outras obras públicas vergonhosas que golpearam de morte a cidade que já vinha a falecer de mansinho.

Dali eu voltava, aos Sábados de manhã, com uma braçada de flores. E o resto que a minha mãe queria comprar. As flores eram as únicas compras que eram só minhas. E havia aquele cheiro ardido a pescado fresco. Vendia-se e comprava-se no chão. Alguns à sombra, aqueles que tinham bancadas à volta do pátio interior. As lojas de fora eram as peixarias que mantinham os passeios constantemente encharcados como que para poupar os peixes e o polvo das saudades do mar. Um quiosque com montra onde conviviam o Pato Donald e uma morena impossível de desenhar ou uma loira inédita nas capas da Playboy. A micro-ourivesaria onde se vendiam relógios Swatch. A casa dos linhos e bordados. Outra de chás e produtos naturais. A dos bichos, onde chegámos a comprar periquitos e peixinhos, daqueles que morriam dois meses depois sem mais nem porquê.

O comércio resistiu emoldurado por tapumes durante todo o tempo em que a reabilitação durou. Cortada a fita da inauguração, parece-me envergonhado nos seus caixilhos novos de vidros duplos. A fachada, essa cobriram-na de um amarelo e um cinzento impróprios.
Lá dentro não há mais canteiros para se expor as novidades da horta, nem o sol aquece o percurso das compras. Há elevadores, extintores, dísticos a proibir e a permitir e a informar, escadas de emergência, pavimentos lisos, degraus assinalados.

Há paredes e tecto onde havia uma arena aberta. E não cheira a nada. Onde cheirava a tanto.

Eu seria uma viúva mais consolada se fosse o mar a arrasar a minha Praça. Como fez à igreja matriz, em tempos.
Mas, ao mar, já não o deixam bater assim.

domingo, 22 de agosto de 2010

Rigor Mortis

O medo de viciar sucede ao medo de experimentar. O medo de cair, ao medo de saltar. O do desencanto, ao da ilusão. O de chegar, ao de partir. O de surpreender, ao de tentar. O de morrer, ao de viver.

Pessoas que compram casas com roupeiros embutidos. Roupeiros sem graça nenhuma que combinam com os rodapés e o parquet no lugar de móveis espantosos por serem altíssimos e onde se guardaram gerações de vestidos de cauda em cabides que tem uma pega para que se possa retirá-los do varão. E que se chamam guarda-vestidos. Gente sem camiseiros nem toucador. Satisfeitos com as cozinhas equipadas de electrodomésticos encastrados, perfilados, como se os fossem fuzilar.

Os zombies. Que exalam normalização. As férias, sempre da mesma forma. As festas de aniversário numa constante no que se refere à pâtisserie.

Não há riscos. E não estou a falar de tentar benji-jumping… Só há protecção. Mas sem os primeiros, serve a segunda para exactamente o quê?





É tudo tão certo que só apetece desmanchá-los. À pancada. Até ao dia em que eles se desmancham a eles próprios.

sábado, 21 de agosto de 2010

A manhã não vai ser de praia


O nevoeiro está cerrado. Voltaram as noites normais. Sem os abafos subsaarianos tão a despropósito.
A humidade passa ligeira e oblíqua no halo da iluminação pública que me calhou em frente a casa. A temperatura é própria a criaturas que gostam de dormir sem desidratar por todos e cada um dos poros do seu corpo.

Lembra-me a estola de vison. Sim, vison, esses bichos que são capturados apenas para que se lhes arranquem o couro e dos quais só se aproveitam os lombos, como costuma realçar a turba de esquerda. A mesma que não gosta da festa brava. Apenas se aproveita o lombo do animal porque as patinhas ficam danificadas nas armadilhas, como é óbvio.

E penso na manta que tenho que comprar para este Inverno. Quero uma nova porque a que a minha mãe furtou à British Airways fica cá em casa.
Caxemira; em cinza-chumbo ou azul-petróleo. Adoro essas cores impossíveis e sei que vou andar doida com os exemplares vermelhos e amarelos que me vão tentar impingir dizendo que são cores quentes próprias e normais para mantas. Mas não para mim.
A manta é totalmente figurativa, sei-o. É para aconchegar a solidão bem encaixada no meu colo. Se não encontrar a que quero, embrulho-a no vison mesmo.

Soube há pouco que ia ser raptada para o Alto Douro muito em breve. Bom sítio para os meus passeios dementes.

Voltaram as noites normais.
As noites normais.

Apetece escrever à mesa da sala de jantar. Que era dos meus avós. Com um candeeiro do lado esquerdo e de janelas abertas sem recear as apunhaladas dos mosquitos. A beber um chá quente acompanhado de biscoitos torrados feitos em quatro moldes diferentes da Hello Kitty.

De soslaio e envergonhada por estas linhas, fito o Lobo A. que estou quase a acabar de lamber.
Esse sim, dono da mestria do desencanto.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

No need to pee on a stick!





Que ainda haja chocolate AMARGO no armário da cozinha. Que seja O sucesso. Que aquele vestido na montra seja no NÚMERO 34. Que os seus olhos BRILHEM quando sob o corpo dele. Que ela SEJA feliz. Que no balanço das virtudes e iniquidades, o saldo seja POSITIVO. Que os idiotas que apontam no canto da piscina com toalhas D&G contrafeitas se deitem a MILHAS. Que o toucador se mantenha FIEL. Que o resultado seja: CURA. Que o Natal o seja em PAZ. Que não arredonde como a sua MÃE. Que continue a TROÇAR nos enterros. Que não descontinuem o seu PERFUME. Que consiga se DEFENDER. Que haja DECÊNCIA. Que NÃO tenha que cozinhar. Que não se ACABE. Que consiga copiar a memória do i-pod para o novo modelo sem perder NADA. Que não dêem cabo do CASTELO. Que ele tenha PACIÊNCIA. Que não a OBRIGUEM a reciclar. Que ele ganhe JUÍZO. Que não a DESCUBRAM. Que eles não DESISTAM dela. Que a criada seja INVISIVELMENTE perfeita. Que não morda a LÍNGUA. Que MANTENHA os seus poucos amigos. Que a miopia ESTAGNE. Que não se PARTA a redoma.

Que continuem a ENCANTAR-lhe certas coisas simples.

Fuck You, Perseus!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Até Já!



Cuca e Estrelita vão estudar mitologia grega. O tema principal do estudo são os mistérios de Poseidon. Por isso, se nos virem por esse Egeu fora todas contentes enfiadas num iate, saibam que, ao contrário do que possa parecer, não estamos de férias. Estamos a aprofundar conhecimentos.
Medusa, desde que teve aquele mal-entendido com o cobardolas do Perseu, é persona non grata lá por aqueles lados.
Como tal, fica por aqui a tomar conta do tasco.
Kalimera, Kalispera, Kalinixta e Eukaristó.

Espelhos


Não te posso pedir uma estória.
Mas queria que me desses quatro linhas onde eu me pudesse reconhecer.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

What the hell...?!


Estado mental de Cuca após duas horas de literatura de cabeleireiro:

Quem é esta gente?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Pesadelo de uma noite de verão


Logo que me aproximo da varanda do restaurante vejo-o lá em baixo, no bar. A dançar no meio de centenas de pessoas. Acho que ainda tenho os olhos treinados para o encontrar nas festas. Tem vestida uma camisa preta de linho que custou quase um salário mínimo e só pode ser lavada à mão. Sei estas coisas sobre ele. Com a mesma naturalidade com que sei os nove sítios do corpo onde tem cicatrizes. Ou o número dos casacos que usa. Ou o número das camisas. Ou que os ténis Nike são dois números acima do número dos sapatos. Um manancial de informação que não me serve para nada. Sei, pela maneira como distraidamente toca no cotovelo, que irá chover amanhã. Sei, porque estava lá quando ele fez aquela lesão que piora com a humidade. Acho que se pensar um pouco ainda sei de cor o número do passaporte dele. Claro que sei. É o número a seguir ao meu.
Da mesma varanda vejo-te a ti, ao lado dele. Tens um vestido de seda que foste comprar à pressa para a noite de hoje. É demasiado parecido com os meus para teres sido tu a escolhê-lo. Calças uns sapatos impossíveis que ele te comprou. Levou-te à loja, pediu o teu número à empregada, como se nem sequer lá estivesses. Experimentou-tos sem olhar para ti e deu-te o saco depois de saírem da loja. Também sei muitas outras coisas sobre ti. Sei, por exemplo, em que cabeleireiro te estragaram o teu tom de mel natural, com essas madeixas louras que te fazem parecer mais velha. Sei que preferias usar uns ténis. Ter ficado em casa a beber cerveja com as tuas amigas. Aquelas duas que ainda te restam. Agora que a prioridade da tua vida é viver a vida dele. Sei em que carro chegaram. E que ele parou à porta e entregou-o para que alguém o arrumasse. Sei quanto deu de gorjeta. Sei de que piadas não te riste no chatíssimo jantar de dez pessoas que antecedeu a decisão de vir dançar para este sítio. Decisão que, obviamente, não passou por ti.
Sei porque tens uma sombra sobre o teu rosto perfeito. Sei que sabes que foste enganada por ele na noite de ontem. E sabes que serás enganada por ele na próxima semana. Que já lhe procuraste os registos do telemóvel. Que já ligaste para números suspeitos. Que te atendeu uma voz ensonada de mulher. Sei a que te souberam as lágrimas que choraste na cama. A cama escolhida por mim. Num quarto azul. Um azul celeste que demorou três dias e dois pintores a conseguir. Não sei o teu número de passaporte. Nem sequer sei o teu apelido. Mas basta-me ver o movimento ansioso do teu corpo de modelo, ao lado dele, para perceber que já te explicaram que se não estás bem deves mudar-te. Que já te estenderam uma lista de prioridades da qual não fazes parte. Que já percebeste que, logo que a tua beleza foi banalizada, passaste a valer menos que a estátua da entrada da sala. Que também foi escolhida por mim.
Se só o querias a ele, nunca deverias ter aceitado a minha vida.
Estou pendurada na varanda do restaurante e tenho atrás de mim o meu futuro. E à minha frente o meu passado. E é estranho olhar para ti, ainda tão nova e já tão triste, saber estas coisas todas, e não perceber exactamente de quem é que tenho pena.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Agenda da Semana


- Lembrar-me de me deitar de costas para o sol porque estou a ficar bicolor;
- Lembrar-me de tirar os óculos de sol porque começa a parecer que andei a fazer férias de neve com um protector solar manhoso;
- Acabar de ver os DVDs dos filmes dos últimos dois anos que não tive tempo para ir ver ao cinema;
- Fazer um périplo pela nova colecção outono-inverno e encomendar coisas que ainda não haja nas lojas;
- Vencer a guerra contra a leitura da Ilíada que começa a demorar quase tanto como a própria guerra de Tróia;
- Retocar as madeixas para acabar com este ligeiro ar de raínha das farturas com que acordei hoje;
- Ir levantar as passagens para a próxima semana;
- Aprender grego elementar de sobrevivência;
- Marcar os tais jantares que só tenho tempo para fazer nas férias e que já estou a ficar sem tempo para fazer nas férias;
- Aprender a fazer cocktails;
- Continuar a evitar aqueles dois livros enormes e horríveis que caso não sejam lidos antes do regresso ao trabalho vão acabar por fazer com que as pessoas descubram que há coisas sobre as quais eu não sei rigorosamente nada;
- Passar o dia inteiro a vegetar na piscina para aliviar o stress de uma agenda de férias tão pesada.

domingo, 15 de agosto de 2010

Deus tem uma agenda mais estranha do que a minha


Acabo de ouvir uma notícia na televisão que explica tudo.
Consta que um grupo de surfistas decidiu criar uma Bíblia, originalmente chamada a “Bíblia dos Surfistas”, que é uma espécie de Novo Testamento em linguagem mais acessível à classe – imagino qualquer coisa como “É assim: aquele milagre custou uma beca a fazer a J.C., que ficou bué de cansado” – com fotografias de surf e devidamente impressa em papel plastificado, para se poder levar para a praia enquanto se espera que o mar deixe de estar flat.
E porque é que isto explica tudo? Perguntariam vocês se se dessem ao trabalho de ler os meus posts, ainda por cima um com um título que inclui a palavra Deus.
Tranquilizem-se as almas mais cépticas que andam por este mundo a perguntar-se, se Deus existe e é bom, porque raio há moscas em vez de comida em redor das bocas das crianças de África? Porque é que a indústria da guerra continua a assassinar inocentes? Porque morrem como tordos os bons cristãos, atacados pelo cancro, ataque cardíaco e pelo Range Rover que circula do lado contrário da auto-estrada?
Finalmente, um dos rapazes adeptos da novíssima “Bíblia dos Surfistas” dá-nos a resposta no noticiário da SIC:
Explica ele:
“Se deus me deu aquela onda boa…se me proporcionou aquele bom momento… foi por alguma razão…”
E aí está! Deus anda ocupado a criar ondas para a malta fazer surf…como podem esperar que tenha tempo para se lembrar dos desgraçados que morrem nos tsunamis?
Em democracia, não se pode agradar a todos!
Por mim, limito-me a agradecer por esta notícia divina me ter dado um pretexto para escrever aqui qualquer coisa.

Vicky Cristina Barcelona

Ao contrário do que dizem, Vicky Cristina Barcelona não é um filme sobre o amor. Nenhuma das personagens do filme ama a pessoa com quem está envolvida.
É um filme sobre a amizade. E sobre essa poderosa capacidade que une os amigos verdadeiros, que é a renúncia constante ao facilitismo de um julgamento moral.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cães mortos pendurados no tecto

Cuca e seus dois sobrinhos deitados de costas na piscina das crianças:
Sobrinho1: Mas tia, eu queria taaaanto ter um cão!!! Porque é que não posso?!
Sobrinho2: Sim, porquê? porquê? porquê?
Cuca: Porque depois morrem e é tudo muito chato.
Sobrinho2: Chato como? Porquê? Porquê? Porquê?
Cuca: Porque depois nunca mais o vês e tens um desgosto!
Sobrinho2: Desgosto como? Como quando tu te separaste do tio A. e eu nunca mais o vi?

Tchüss!


muito sol
algum disco fever
boiar como uma cereja nuns litros de dry m.
fazer népia
acabar o Grass e devorar o Lobo A.
brincar aos cabeleireiros com a Freddy
love
montar tenda na capital
começar a devanear sobre trapos para o inverno

Medusa em vadiagem durante as próximas quatro mudanças de lua. Mas sempre com estrelas e criaturas míticas nos olhos. Bye.


Paixão Demente



obsessivo
labiríntico
claustrofóbico
paranóico
sobreposto
excessivo
impiedoso
obstinado
exaustivo
pertinente

Enquanto não ler todas e cada uma das letras deste homem,
Medusa não petrifica a obra de mais ninguém.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Grandes Filósofos



John Connor: Does it hurt when you get shot?

The Terminator: I sense injuries. The data could be called "pain."
(silence)
The Terminator: Why do you cry?

John Connor: You mean people?


John Connor: I dont' know. We just cry. You know, when it hurts.

The Terminator: Pain causes it?

John Connor: No, it's when there's nothing wrong with you, but you hurt anyway. You get it?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Qual é a dúvida!?

Navegávamos há uns dias sob uns bons metros cúbicos de àgua e pergunta a mais velha:

- Estrelita, tu odeias acampar, não podes sequer ouvir falar em tendas e acampamentos, não é?

- Sim, querida, é verdade, fui ao engano há uns 17 anos atrás e percebi que não fui feita para aquilo.

(Com ar desconfiado)

- Mas isto é parecido...

- Ora querida, pensa lá bem, quando vais lá para os acampamentos que fazes, não tens uma casa de banho só para ti, com àgua quente, nem tv, nem dvd, nem uma cama confortável, nem almofada, nem podes andar em pé dentro da tenda, nem arrumar as tuas coisas, não tens um frigorífico com tudo muito fresquinho sempre à mão, nem fogão, nem forno, nem um sítio onde apanhar sol descansada da vida sem andar quilometros, nem mudar de local se te sentires enfadada. E tens filas para tudo, e um calor horrível de manhã à noite, e barulho desde as 6h da manhã até, pelo menos, às 3h, e tens que levar com o estendal dos vizinhos da tenda do lado em cima do nariz (e tudo o mais que fazem), e tens todo o género de bicharada a invadir-te a tenda, e ... podia ficar aqui até amanhã.

(Já com um ar sereno:)
- Logo vi. Sabia que me ias explicar porque é que em vez de irmos fazer campismo decidiste alugar um barco.

Paddock Girl



Um desarranjo logo aos 17 anos. Aquele típico da primeira vez.
Dietas exclusivas de ananás e água fervida. Internamento hospitalar na sequência da óbvia debilidade que lhe causaram.

Os pais deviam saber que isto tudo estava para vir quando, no final de Julho de 1976, regressou de um acampamento, mais a irmã, num tanque do exército. Trazidas pelos militares que, por sorte, também haviam estado no mesmo Gerês que elas. Em tendas muito piores que as delas, que cheiravam a Creme Nívea de lata azul e a Heno de Pravia.

Numa mão, a confirmação da admissão à licenciatura em veterinária. A opção mais que natural para quem albergava tudo quanto é mamífero que lhe passasse à porta. A casa de campo dos pais, morada da família, prestou-se a que chegasse a ter mais de 30 gatos.
Na outra mão, a melhor nota do concurso público para hospedeira de bordo na TAP.

Numa das suas fotografias mais bonitas está fardada, cap incluído, a afagar a Happy. Foto da qual toda a família recebeu cópia com uma dedicatória lamechas qualquer a cargo da minha tia. Com a Happy que perdeu as suas primeiras e únicas crias ainda no ventre, esfacelado pela ventoínha do Renault 5 preto da dona. O Renault sem puxadores nas portas. Tinha apenas uns botões. O que me fascinava. Era o carro da minha prima com nome russo e 14 anos mais velha que eu.

As suas peles continuam a passar as estações quentes num frigorífico, em Paris.

Quantas vezes foi ao Rio apenas para ir comprar um bikini novo.

Apesar de ter feito muitas, carrega um ódio mortal ao tempo. Segue o circuito de MotoGP in loco. Agora sem o filho mais velho que, entretanto, já se senta diariamente num cockpit para trabalhar. Noutro dia contava-me, endiabrada, que ao fim de mais de dez anos a apoiar o Valentino R. havia, finalmente, recebido o livre-trânsito “mais VIP”. Uma pulseira amarela em borracha, com cheiro a chiclet.

Não é o seu primeiro paddock. Lá em casa há um retrato seu, feito a carvão e assinado “Ricardo P.”.

Talvez seja o último.

Ela era e continua a ser a mulher mais bonita que já conheci.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A terrível contradição das mulheres



Penélope esperou quase vinte anos por Ulisses que passou metade desse tempo amantizado com Calipso, numa ilha de prazeres.
Helena de Tróia abandonou o seu devotado marido Menelau para fugir com Páris.
Inês Pereira, mais inteligente, precisou de uma série de amarguras até concluir pela preferência a um asno (que a carregue) do que a um cavalo (que a derrube).
Se Romeu não fosse um gandim com instintos de assassino, Julieta nunca lhe teria prestado atenção.
Scarllet O´hara, admirou Rhett Buttler pelo facto de ele a desprezar.
As mulheres vão sempre preferir os machos Alpha, apesar de já saberem que não são esses que as farão felizes.
Pode-se culpar a genética, responsabilizar as tragédias clássicas, atirar com a factura para as comédias românticas. É indiferente.
Consta que os machos se dividem em Alpha, Beta e Omega, sendo que os Beta são os que ocupam a linha de sucessão para Alpha e os Omega são os que nasceram para ser espezinhados por toda a gente.
Não se fala desta divisão a propósito das fêmeas, o que, se pensarmos bem, até faz sentido. Todas as fêmeas são potencialmente Alpha. Por isso mesmo escolhem machos da sua própria categoria, que lhes garantam uma descendência de Alphinhos puros.
E essa necessidade estratégica, lamentavelmente, é-lhes mais cara do que a própria felicidade.
Darwin esteve quase lá, mas acabou por ver as conclusões do seu próprio estudo deturpadas pelo facto de ser um preconceituoso que se recusava a admitir a superioridade feminina.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Os meus sais!!!

Medusa dá-se muito mal com o calor seco e combina sístoles a 81mmHg com diástoles a 53mmHg.

A Whiting And a Snail





‘Will you walk a little faster?’ said a whiting to a snail.

‘There’s a porpoise close behind us, and he’s treading on my tail.

See how eagerly the lobsters and the turtles all advance!

They are waiting on the shingle - will you come and join the dance?

Will you, won’t you, will you, won’t you, will you join the dance?

Will you, won’t you, will you, won’t you, won’t you join the dance?

‘You can really have no notion how delightful it will be

When they take us up and throw us, with the lobsters, out to sea!’

But the snail replied ‘Too far, too far!’ and gave a look askance -

Said he thanked the whiting kindly, but he would not join the dance.

Would not, could not, would not, could not, would not join the dance.

Would not, could not, would not, could not, could not join the dance.

‘What matters it how far we go?’ his scaly friend replied.

‘There is another shore, you know, upon the other side.

The further off from England the nearer is to France -

Then turn not pale, beloved snail, but come and join the dance.

Will you, won’t you, will you, won’t you, will you join the dance?

Will you, won’t you, will you, won’t you, won’t you join the dance?’


Lewis Carrol, in Alice in Wonderland

sábado, 7 de agosto de 2010

Passeio no parque às 0 horas e 30 minutos

Estrelita, Medusa e Cuca, encontraram-se dentro do mesmo quadro outra vez. Desta feita, ao mesmo tempo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Postcards from the near Future


Este Verão tem que acabar depressa


É a conclusão que tenho que tirar do facto de, ontem, ter ido fazer uma tatuagem de henna. Logo eu.

Escanzelada, trigueira. Assim era a que me desenhou um sol dinâmico no interior do tornozelo esquerdo.
Podia ser bonita, porque ainda jovem e interessante, mas falta-lhe tudo aquilo que ela despreza. Um bom hidratante. Protecção solar. Roupa de cama decente e três almofadas de penas.
O traje pretendia ser medievo. Os cabelos muito secos, enleados numas flores também secas.

Por dentro, a tenda é esmagadoramente púrpura e decorada de forma muito feminina. Demais.

O catálogo são folhas A4 encadernadas. Bichos. Símbolos. Coisas Celtas. Coisas supostamente escritas em árabe. Tem orelhas e está sujo no canto inferior direito.

Explica-me que onde vive habitualmente, em Óbidos, a chamam de bruxa. E que não se importa. Porque bruxa é sinónimo de bússola, aquela que indica o caminho.
Já sentada em almofadas e outros trapos empestados de incenso, finjo que acredito nas patranhas infantis dela.

Desenha o sol. A mão livre.

Para cima da henna ainda húmida sopra a purpurina que eu escolhi: prateada. O pó foge para longe do desenho. Ela explica: eu escolhi mal. O sol não aceita a inferioridade da prata e só merece ouro. Vai buscar o frasquinho da purpurina dourada que se cola, em massa, ao desenho.

Bruxa.
Ri-se com os olhos verdes que filtram o sol que lhes entra como num prisma.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A filha da peixeira




Foi uma das personagens mais Almodoverianas que conheci na vida.
No passado foi de tudo, desde filha de uma peixeira suicida a prostituta numa famosa casa da especialidade. Embora alardeasse a primeira com uma frequência perturbadora, nunca me contou a segunda, que foi confirmada por um amigo com mau gosto, boa memória e incapacidade de se deixar iludir por nomes artísticos.
Fez-se amante de um homem importante que se entreve a mascará-la de senhora. Durante uns anos. Apenas.
Comprou-lhe os trastes etiquetados que lhe vi no armário. As jóias que ela acabou por enterrar no prego. O BMW que ficou esquecido na oficina por falta de dinheiro para pagar os arranjos. As lojas que foram vendidas em hasta pública. O apartamento no centro de Lisboa que estava penhorado.
O declínio começou quando a família importante do homem importante tomou consciência dos custos de manutenção daquela amante. As famílias importantes são eficazes. Obedientemente, ele fechou-se na quinta de Sintra mas, desta vez, com a amante do lado natural dos portões. De fora. Aos gritos e pontapés.
Claro que os portões da quinta de Sintra eram demasiado sólidos para se deixarem abalar pelos murros de uma amante, ex-prostituta, com apetência para o escândalo, para a chantagem e para a extorsão. Mais uma vez, as famílias importantes são eficazes. Rapidamente, arranjaram maneira de a tornar invisível e muda.
O medo enfiou-a sozinha no apartamento de duzentos metros quadrados. A engordar.
Foi nessa altura que a conheci.
Empenhava-se a tempo inteiro na função de ser uma caricatura de si própria. Uma imitação sarcástica dos dias em que foi uma senhora.
Ainda mantinha o guarda-roupa que era, também ele, uma caricatura kitsch do pior que a alta costura criou. Os quarenta quilos de ódio que engordou impediam-na de usar as suas roupas. Era como se ela já não se servisse a si própria.
Tresandava a decadência. Chegava a ser opressora na tragédia que anunciava.
Acabei por me convencer que um dia seria encontrada morta naquele apartamento. Afundada em álcool e comprimidos.
Não fiquei à espera para confirmar a minha intuição.
Reencontrei-a, casualmente, há uns tempos atrás.
Perdeu os quarenta quilos que o amante lhe ofereceu como presente de despedida. Arranjou um amante novo. E um guarda-roupa a condizer. Presumo que esteja a repor a sua situação imobiliária.
Despedi-me com um sorriso:
Subestimei-a.
Nos seus tempos de decadência, tinha uma frase maravilhosa com que resumia o seu estado de espírito:
“Tenho a alma partida”.

Problema matemático



O amor das pessoas estúpidas vale o mesmo que o amor das pessoas inteligentes?
Quanto vale o amor de um estúpido?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Medusa in the mood for...


shopping!


Ainda a analogia Versailles


Les Autres...


...et les Uns



Depois venham-me cá dizer que é tudo terra e erva. Está bem, está...

Congrats Babe

Um ano de dieta intelectual…
Uma preparação de alta competição…
Quatro batalhas sangrentas…
Milhares de derrotados…
E quando Medusa finalmente ganha a guerra, resume a coisa, via SMS, da seguinte forma:
“I´m in!"

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Latas de conserva

Há uma fotografia que explica tudo.
Foi tirada no nordeste brasileiro, mais ou menos pelos dias de hoje, mas de há sete ou oito anos atrás.
Estás sentado num banco de pedra de uma praça da vila. Com o mar por trás e uma tenda de venda cocos ao lado. Tens vestida uma camisola azul de mergulho. Não te ris para o fotógrafo japonês que interpelaste no meio da rua. Escolhias sempre os japoneses porque dizias que eram os únicos que conseguiam tirar fotografias aproveitáveis.
Ris-te para a mulher que tens no colo. Mas ris-te de uma forma tão descontroladamente infantil que dir-se-ia teres acabado de ouvir a anedota da tua vida. A mulher segura um coco com duas palhinhas espetadas e também não se ri para o fotógrafo. Ri-se para o lado oposto ao teu com uma expressão gémea da tua.
Conheço-te a ti. Mas seria incapaz de reconhecer a mulher da fotografia.
Uma fotografia bastante “aproveitável”, por sinal.

Animal Urbano


A minha selva tem uma piscina destas.

Esta é, de génese, a "minha praia".

Agenda do dia


Finalmente, o tipo de decisões difíceis que eu gosto mesmo de tomar:
Vou à praia ou fico na piscina?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Coisas estranhas acontecem quando se decide ordenar livros



Intrigada com um detalhe da revisitação de “O que diz Molero” (ontem, RTP2), decidi ir à procura do livro para o tentar compreender melhor. Constatei que a minha caótica biblioteca não me permite encontrar coisa nenhuma em tempo útil e decidi começar a arrumá-la. Assim, direitinha, por estilos literários e dentro destes por ordem alfabética.
Foi então que, absolutamente desnorteada, dei comigo a olhar para um livro chamado “Guia Para ficar a saber ainda menos sobre as mulheres” da Isabel Stilwell.
Não é que eu não tenha livros maus. Tenho. Uns por flagrantes erros de casting motivados por títulos presunçosos (caso do assustador “Enquanto esta música durar és só minha” de uma tal Margarida Brum). Outros por mau gosto de ofertantes bem intencionados e outros, ainda, por razões estranhas que demoravam um post a explicar.
Por exemplo, embora tenha conseguido escapar ao Paulo Coelho, sou a infeliz proprietária de três Brian Weiss. Dois oferecidos e um meio roubado, mais uma vez por causa do título e da ironia do momento.
E apesar de até ter um livro chamado “As Diopterias de Elisa” que tenho a certeza que só vinte pessoas conhecerão e dessas só cinco leram, o que é certo é que tenho uma biblioteca controlada em que conheço os fungos que saltam da estante.
Aquele livro deixou-me perturbada. Tinha a certeza de não o ter comprado e sou demasiado sensível para não registar o momento traumático que teria sido rasgar um papel de embrulho e dar de caras com aquilo.
Abri o livro e comecei a observar o desastre, do fim para o princípio. Senti aproximar-se a possibilidade de ter um daqueles flashes em que a pessoa descobre que teve outra vida em que foi assassino da Mossad ou caixa do Pingo Doce, ou coisa assim parecida.
Á medida que olhava para o conteúdo do livro, o mistério adensava-se. Como é que aquela nódoa escapou? Como teria aquilo entrado na minha casa? Oferecido com um jornal? Dentro de uma revista de gaja? Largado na caixa do correio? Com um bilhete anónimo a insultar-me?
Quando, já branca e horrorizada, temendo pelo meu passado, confusa com a minha identidade, cheguei à primeira página, a justificação estava lá escrita, em letra torta de esquerdina, a rir para mim com ar sádico:
Estrelita, vírgula, Lisboa, vírgula, 24 de Novembro de 1999.
Respirei de alívio.
Tenho a certeza que é a isto que se referem com aquela conversa de os amigos também servirem para nos obrigar a pôr em causa.

Panegírico da Alienação


Madrugada. Finalmente chego ao espelho baço do toucador.
O Manual Merck e outros estraga-prazeres científicos retiram-me o direito de acabar louca.

Tornou-se impossível. O que agora acontece são doenças de nome teutónico, muito diferentes da loucura delirante. São assépticas e sensaboronas. Não há coerência no espectáculo. É triste.

Nunca me deviam ter vedado o prazer de me finar demente.

Em qualquer estação do ano durmo em camisa de noite comprida – sempre preparada para sair a meio do sono despenteada e descalça pela rua.
Uma mulher deveria poder escolher.





Ainda assim, este texto parece-me ser um bom começo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Eu tentei...

Juro que tentei. Ensaiei um ar blazè. Fiz de conta que nem tinha visto. Apelei ao meu espólio snob. Controlei-me durante umas horas.
Mas agora não aguento mais:

O PIPOCO LINKOU-NOS!!!!

Estar à altura das expectativas


Pense-se numa criança de cinco anos que visita a casa de um casal sem filhos. Uma casa cheia de cristais, porcelanas e objectos de design. Espalhados de acordo com critérios que não prevêem a existência de um intruso infantil. A criança chega e senta-se. Mas só consegue estar sentada durante cinco minutos. O próprio sofá é impróprio para crianças. Digamos que é branco. O anfitrião olha de lado para as solas enlameadas dos ténis da criança e traça uma linha de perigo. Depois a criança levanta-se e circula pela sala. Os pais advertem-na que não pode tocar em nada e regressam à conversa de adultos. A criança fica sem vigilância a deambular pela sala. Sem vigilância aparente. Porque, de tempos a tempos, capta o olhar desconfiado do anfitrião. A medir o perigo, na sua impotência de anfitrião bem-educado. Instala-se a tensão. Não há nada na sala que possa distrair a criança dos valiosos objectos cuja fragilidade os torna proibidos. Numa primeira fase limita-se a olhar. Mas ele já sabe que haverá uma segunda fase em que terá que tocar. Toda a sala o sabe. Os adultos continuam a conversar num esforço consciente para ignorar a tragédia iminente. O miúdo estende um dedo para um candeeiro de cristal murano que abana ligeiramente e volta ao seu lugar. Os anfitriões entreolham-se num arrepio que lhes percorre a espinha. A expectativa de que o miúdo estrague a harmonia da sala torna-se ensurdecedora. Ele absorve o clima. Incapaz de fazer outra coisa que não seja corresponder a expectativas, decide que desta vez vai apenas cheirar um vaso da dinastia Ming.
E o estrondo que preenche a sala quando o vaso se estilhaça representa o alívio de todas as tensões. O último suspiro do moribundo. Os pais fingem espanto. Os anfitriões encolhem os ombros. É como se a sala inteira gritasse um “já está!” aliviado. Aconteceu o que tinha que acontecer e se sabia que aconteceria desde o momento em que a criança entrou na sala. Podem todos voltar sossegados à sua conversa de adultos.

Agora pense-se num homem mediano que entra na vida de uma mulher cuja cabeça poderia ser o catálogo de uma season dos leilões da Christie´s.
É exactamente a mesma coisa.