segunda-feira, 13 de abril de 2015

Ao menos pudéssemos

Já estava sentada naquela sala há mais de quatro horas seguidas a ouvir mentiras quando me lembrei de um verso de Pavese:

Ao menos pudéssemos partir, 
rebentar de fome em liberdade, dizer não 
a uma vida que utiliza o amor e a piedade,
a família, o bocado de terra, para nos atar as mãos.

E então, enquanto fingia ouvir as pessoas e escrevia o verso entre as linhas de uma qualquer estória de maldade humana, imaginei que me levantava da sala em absoluto silêncio, sem olhar para nenhum deles; imaginei deixá-los sozinhos, sem interlocutor para as suas mentiras;  não me dar sequer ao trabalho de fechar a porta atrás de mim; desaparecer por um dos corredores labirínticos; imaginei sair para o sol, em liberdade.
E durante aqueles sessenta segundos, antes de entregar as mãos às algemas e devolver a atenção à sala, fui profunda e genuinamente feliz. 


6 comentários:

  1. Às vezes também arranjo momentos desses quando me atam as mãos, Cuca. Mas sem versos (com certeza porque vão para ti). :-)

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  2. ando com vontade de de fazer um jogo de espelhos com uma destas maravilhas que por aqui se escrevem, sô dôna Pirata. posso?

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  3. Como entendo bem a vontade de ter poderes, ou somente de poder... Queria tanto, tantas vezes poder...
    Si <3 Cuca

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